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Contrata+Brasil – Objeto, valor máximo e limitações

⏮️ Anteriormente nesta série: Contrata+Brasil – A série | Contrata+Brasil – Introdução | Contrata+Brasil – A inspiração que veio do Recife | Contrata+Brasil – A criação e o fundamento legal

A publicação da Instrução Normativa n.º 52/2025 ocorreu concomitantemente à publicação do Edital de Credenciamento n.º 3/2025, no dia 10 de fevereiro de 2025. Conforme prevê os artigos 4º e 10º da IN 52/2025, o Edital foi publicado pela Central de Compras, órgão administrador do Contrata+Brasil.

O objeto do Edital já deixa claro o foco dessa etapa inicial do Contrata+Brasil: os Microempreendedores Individuais (MEIs). Também foi estabelecido o escopo do objeto: manutenção e reparos de pequeno porte em bens móveis e imóveis.

Lembra do Go MEI, da Prefeitura de Recife? Não é coincidência. O governo federal replicou, pelo menos nesta primeira etapa, a iniciativa de Recife.

Limitação de valor

O item 3.1 do Edital de Credenciamento n.º 3/2025 do Contrata+Brasil limita as contratações a uma demanda individual do órgão comprador até o valor máximo de R$ 12.545,11 (doze mil e quinhentos e quarenta e cinco reais e onze centavos). 

Eu sei que no artigo anterior já destaquei a diferença entre a tipologia dos órgãos, conforme a IN 52/2025. Mas, para deixar todos na mesma página, relembro aqui:

  1. Órgão central – Diretoria de Normas e Sistemas de Logística, da Secretaria de Gestão e Inovação, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
  2. Órgão administrador – Central de Compras, da mesma Secretaria de Gestão e Inovação.
  3. Órgão comprador – órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como os demais órgãos e entidades que tenham aderido ao Contrata+Brasil para realização de aquisições pela plataforma

Sendo assim, o órgão administrador limitou as demandas individuais de cada órgão comprador ao valor máximo de R$ 12.545,11 por demanda individual. Isso quer dizer que essa limitação refere-se a cada demanda cadastrada e não a totalidade de demandas possíveis de serem cadastradas pelo órgão comprador. Não há proibição de cadastramento de múltiplas demandas até esse valor. Em outras palavras, não há de se falar em fracionamento de despesas, como já comentei no artigo anterior – com base em Parecer da Advocacia Geral da União¹.

(Caro leitor, como tudo que envolve as compras públicas, esse não é um entendimento escrito em pedra. Determinações do TCU, ou mesmo novos pareceres da AGU, podem resultar em alteração desse entendimento – o que poderia enterrar o projeto. Na data que escrevo este texto – agosto/2025 – desconheço qualquer determinação neste sentido.)

Por exemplo, o órgão comprador pode cadastrar uma demanda de serviços de chaveiro por R$ 1.000,00, outra demanda de serviços de estofador por R$ 5.000,00 e uma terceira demanda de manutenção de aparelho de ar condicionado por R$ 10.000,00. Veja que a demanda individual respeita o valor máximo, ainda que o conjunto de demandas seja superior a ele. 

Mas de onde surgiu esse valor máximo de R$ 12.545,11? O Edital fundamenta esse valor com base no § 2º do art. 95 da Lei n.º 14.133/2021:

Art. 95. O instrumento de contrato é obrigatório, salvo nas seguintes hipóteses, em que a Administração poderá substituí-lo por outro instrumento hábil, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço:

(…)

§ 2º É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras ou o de prestação de serviços de pronto pagamento, assim entendidos aqueles de valor não superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).       

O valor de R$ 10.000,00 foi atualizado pelo Decreto 12.343/2024 e passou a ser justamente ao valor de R$ 12.545,11. Ou seja, o valor máximo tem como base a prestação de serviços de pronto pagamento, permitida na nova lei de licitações.

Outro aspecto importante quanto ao valor, mas neste caso em relação aos fornecedores, é que o item 3.7 do Edital esclarece que o fornecedor pode atender a múltiplas demandas, mas deve observar o faturamento anual de R$ 81.000,00. Isso acontece pela própria limitação ao enquadramento de Microempreendedor Individual. O fornecedor, em tese, já deveria saber disso, mas o edital tenta alertar possíveis fornecedores “desatentos”. 

Serviços possíveis de serem contratados

Não é qualquer serviço que pode ser contratado. É preciso que a demanda esteja dentro daquelas relacionadas no Anexo III do Edital, denominado “Cartilha de Serviços”. Dentre estes, indico os seguintes serviços que podem ser demandados pelos órgãos:

  • Bombeiro hidráulico
  • Chaveiro
  • Carroceiro
  • Eletricista
  • Estofador
  • Jardineiro
  • Pedreiro
  • Pintor
  • Instalador e reparador de sistemas de ar condicionado
  • Instalador de máquinas e equipamentos
  • Manutenção de eletrodomésticos
  • Reparador de móveis
  • Reparador de máquinas e equipamentos
  • Reparador de equipamentos médico-hospitalares
  • Entre outros

Para ter acesso à lista completa, recomendo consultar diretamente o Anexo III do Edital, que contém um documento orientador para cada um dos serviços possíveis de serem contratados. 

Como já disse nos artigos anteriores, o MGI já anunciou que pretende ampliar o objeto de contratação. Gêneros alimentícios seria o próximo objeto possível de ser contratado².

Realização de vistoria  

O Edital de Credenciamento n.º 3/2025 permite, de forma simplificada, a realização de vistoria pelo fornecedor interessado e, neste caso, o órgão comprador deve viabilizá-la. Quanto à vistoria, há muitas semelhanças com os procedimentos para realização de vistoria para os casos de licitação, sem exigir, contudo, as declarações de que o fornecedor vistoriou, de que tem conhecimento do objeto, etc.

Neste caso, o que me chamou atenção foi a exigência contida no item 3.9.3, que indica a necessidade da vistoria ser acompanhada por, pelo menos, dois servidores públicos. Considero que isso é incoerente com a simplificação do procedimento, já que não está estabelecida essa exigência nem mesmo nos procedimentos licitatórios.         

Habilitação, Sanções Administrativas e Inativação Temporária

Os critérios de habilitação exigidos no Edital de Credenciamento n.º 3/2025 foram restritos à habilitação jurídica (como se trata de MEI, deve ser exigido o Certificado da Condição de Microempreendedor Individual – CCMEI) e  à regularidade fiscal, social e trabalhista, de forma semelhante ao que já costuma ser exigido nas licitações. O fornecedor também não deve estar impedido de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo.

As sanções administrativas serão aquelas normalmente exigidas na Lei n.º 14.133/2021 – advertência, impedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade, e devem observar o rito procedimental comum às licitações.  

Além das sanções administrativas, o Edital incluiu a penalidade prevista na Instrução Normativa n.º 52/2025: a inativação temporária. Ela é uma medida cautelar da plataforma Contrata+Brasil que visa proteger as futuras contratações, suspendendo as atividades do fornecedor. 

Essa providência pode ser adotada em diversas situações, como quando o fornecedor não mantém seu cadastro atualizado, não responde a contatos sobre propostas que enviou, ou quando há indícios de que cometeu infrações administrativas graves, como fraude, comportamento inidôneo ou inexecução de contrato. Para saber mais sobre a inativação temporária, recomendo a leitura do artigo anterior.  

⏭️ No próximo artigo… conheça o sistema informatizado que operacionaliza o Contrata+Brasil.  
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Aviso: Minha formação acadêmica não é em Direito, e sim em Administração e Gestão. Sendo assim, não tenho competência para fazer uma análise jurídica. Meu objetivo aqui é trazer a minha interpretação e ensinamentos que obtive após leitura e análise do(s) referido(s) documento(s). Caso queira contribuir com uma análise jurídica, sinta-se à vontade para comentar.

Notas e Referências

1. BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer n.º 00004/2024/CGEST/CGU/AGU. 19 abr. 2024. Análise Jurídica Sobre Viabilidade De Implementação Da Vitrine De Compras Públicas. Dúvidas Teóricas Sobre A Modelagem. Análise Em Tese. Disponível em: <https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Parecer-0004_CGEST.pdf>. Acesso em: 31/07/2025. 

2. RONNY CHARLES. DR Live – O interessante Projeto Contrata + Brasil do Governo Federal. Youtube, 18 fev. 2025. 56min59s. Disponível em: <https://youtu.be/xS82Igmbc-g?si=4bUcfjanIlt4nRcc>. Acesso em: 31 jul. 2025.

TCE-PR suspende licitação por uso indevido da modalidade concorrência

Crop concentrated Asian male judge in formal clothes sitting using modern netbook while working in law office

A suspensão de uma licitação em um município do Paraná reforça a importância da correta escolha da modalidade de contratação. O caso, levado ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), ilustra como a escolha inadequada da modalidade podem comprometer a competitividade e a busca pela proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

O município lançou uma Concorrência pública com critério de técnica e preço para contratar uma empresa de locação de softwares integrados de gestão. Essa modalidade é prevista na Nova Lei apenas para bens e serviços considerados “especiais”, que exigem um alto grau de complexidade técnica. No entanto, uma empresa do setor, que representou ao TCE-PR, argumentou que softwares de gestão são, na verdade, “bens e serviços comuns”, para os quais o uso da modalidade pregão é obrigatório por lei.

O conselheiro relator Fernando Guimarães acatou o argumento e concedeu uma medida cautelar suspendendo o certame. A decisão foi baseada em duas análises principais:

  1. Modalidade Incorreta: O relator considerou que os softwares de gestão são produtos de “corriqueira contratação”, ou seja, são comuns, o que tornaria obrigatório o uso do pregão.
  2. Restrição à Competitividade: A análise dos fatos revelou um indicativo de direcionamento. Apenas a empresa que já prestava o serviço para o município participou da licitação. O TCE-PR notou que o edital, ao usar a modalidade concorrência, abriu espaço para um sistema de pontuação técnica que poderia favorecer o fornecedor atual, violando o princípio da competitividade.

A medida cautelar foi homologada por unanimidade pelo Tribunal Pleno do TCE-PR. Os efeitos da decisão permanecem válidos até que o mérito do processo seja julgado, garantindo a suspensão do certame até que a questão seja esclarecida.

Saiba mais: Portal TCE-PR 


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Pesquisa de preços do Compras.gov permite copiar outras cotações realizadas

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O Portal de Compras do Governo Federal, o Compras.gov (antigo Comprasnet), divulgou uma nova funcionalidade para o seu módulo de Pesquisa de Preços. Agora, é possível copiar uma pesquisa de preços anteriormente realizada pelo próprio agente público ou pelo seu órgão.

No teste que fiz com meu usuário, aparece esta opção quando visualizamos uma determinada cotação:

Essa opção indica que é permitido “Copiar a cotação” que está sendo visualizada. Ao visualizar os itens daquela cotação, também é indicado que aquele preço está desatualizado:

A atualização daquele preço também pode ser realizada de forma bem simples, apenas clicando neste ícone:

É uma funcionalidade interessante, mas desde que utilizada com cuidado. Ter a opção de copiar outra pesquisa realizada, não exime o agente público responsável pela nova pesquisa, inclusive da necessidade de atualização dos preços e análise criteriosa dos preços ali indicados. 

No âmbito federal, por exemplo, o art. 6º da IN 65/2021 deixa claro que a pesquisa preços deve desconsiderar valores inexequíveis, inconsistentes e os excessivamente elevados. Além disso, que os preços coletados devem ser analisados de forma crítica, em especial, quando houver grande variação entre os valores apresentados.  

Portanto, uma interessante funcionalidade, se utilizada com cautela. Caso queira ler um artigo mais completo sobre como realizar uma pesquisa de preços, inclusive onde cito esse módulo do Compras.gov, recomendo este aqui.  


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Contrata+Brasil – A criação e o fundamento legal

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Para Roberto Pojo, Secretário de Gestão e Inovação, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a criação do Contrata+Brasil foi resultado de três “impulsos”:

  1. Uma conversa informal com a Consultoria Jurídica da Advocacia Geral da União;
  2. O momento da Advocacia Geral da União, que estava propensa à inovação na área das compras públicas;
  3. A apresentação da Prefeitura de Recife, sobre o Go MEI, realizado em um evento do SEBRAE.

Ele reforça que um projeto dessa magnitude precisa do apoio de vários parceiros. Além do próprio Ministério da Gestão e Inovação – da qual ele faz parte – e da Advocacia Geral da União (AGU), ele cita também como parceiros:

  • Ministério do Empreendedorismo;
  • Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial;
  • Controladoria Geral da União;
  • Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio;
  • Secretaria de Relações Institucionais;
  • Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE);
  • Prefeitura de Recife (como visto no artigo anterior).1

Parecer da Advocacia Geral da União

Um dos instrumentos que representam a participação efetiva da AGU foi o Parecer n.º 00004/2024/CGEST/CGU/AGU2. O documento foi imprescindível para dar a sustentação jurídica ao Contrata+Brasil.3

Esse parecer foi emitido justamente em consulta formulada pelo Ministério da Gestão e Inovação (MGI) acerca das possibilidades e dúvidas jurídicas quanto à implementação do projeto. À época, o projeto ainda era denominado “Vitrine de Compras Públicas”.

O parecer foi assinado por Ronny Charles Lopes Torres, advogado da união, e apresentou importantes conclusões que viabilizaram o Contrata+Brasil. A principal delas se refere à modalidade ou instrumento auxiliar que poderia ser utilizado. A AGU entendeu que a modelagem do credenciamento para mercados fluidos é mais eficiente para situações nas quais há forte variação no preço de mercado ou nas condições de fornecimento. Por outro lado, a modelagem da ata de registro de preços é mais eficiente em mercados com baixa volatilidade de preços, e rigidez nas condições de fornecimento. Foi indicado que o Contrata+Brasil poderia adotar as duas modelagens para realização das contratações públicas.

Outro destaque do documento foi sobre o fracionamento de despesas. Para a AGU, o fracionamento ilícito de despesas refere-se às dispensas de pequeno valor, descritas nos incisos I e II do artigo 75 da Lei n.º 14.133/2021. Não se aplica, portanto, às contratações realizadas através de outras formas de contratações diretas, incluindo o credenciamento. Foi indicado, também, a possibilidade de utilização de um edital de credenciamento “sem quantitativos previamente estabelecidos, diante de sua natureza de framework aberto”.

Por fim, destaco a conclusão sobre a simplificação da etapa preparatória. A AGU entendeu que, mediante regulamentação específica, é possível simplificar a formalização de artefatos como o Estudo Técnico Preliminar e Termo de Referência. Neste caso, a simplificação seria um benefício para os órgãos/entidades aderentes à plataforma            

As conclusões do parecer emitido pela AGU levaram à elaboração da principal norma jurídica do Contrata+Brasil: a Instrução Normativa SEGES/MGI n.º 52, de 10 de fevereiro de 2025.4

Instrução Normativa SEGES/MGI n.º 52, de 10 de fevereiro de 2025

A IN 52/2025 cria o Contrata+Brasil, uma plataforma de negócios públicos, integrada ao Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg).

O objetivo principal do Contrata+Brasil é ofertar bens e serviços para contratações pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, em formato de comércio eletrônico. O principal responsável pelo projeto é a Secretaria de Gestão e Inovação, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, cujo titular é o Roberto Pojo. 

Apesar de direcionado à administração federal, a IN permite a adesão de órgãos ou entidades dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como de outros Poderes da União. Podem aderir também as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias, os serviços sociais autônomos e, até mesmo, as entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos por meio de convênio ou instrumentos congêneres. 

Isso quer dizer que a SEGES/MGI pretende que a plataforma seja utilizada pelo maior número possível de órgãos federais, estaduais e municipais. De fato, ela tem feito um esforço de propagar e realizar diversos acordos de adesão com esses entes. Por exemplo, na data que escrevo este texto, o Governo do Rio Grande do Norte acabou de anunciar o Termo de Adesão5

O credenciamento

Como você já deve saber, a Administração Pública só pode fazer o que está expressamente autorizada ou determinada na lei. Não há margem para atuações que não possuam um fundamento legal prévio. Se a lei não prevê, o administrador público não pode agir.

Sendo assim, era preciso identificar em norma superior – no caso, a nova lei de licitações, Lei n.º 14.133/2021 – onde estava a previsão legal. E o fundamento encontrado (inclusive após o citado parecer da AGU) foi o procedimento auxiliar chamado de credenciamento

Conforme o art. 6, inciso XLIII, da Lei n.º 14.133/2021, credenciamento é o “processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados”.

O art. 79, da mesma lei, permite que ele seja usado em três hipóteses de contratação: 1) em contratações paralelas e não excludentes; 2) com seleção a critério de terceiros; ou 3) em mercados fluidos

Quanto à possibilidade de utilização do credenciamento, vale destacar parte da fundamentação descrita pela AGU no Parecer n.º 00004/2024/CGEST/CGU/AGU:

35. Os contornos definidos ao credenciamento pela nova Lei de licitações avançam, e muito, permitindo que este procedimento auxiliar amplie sua utilidade no âmbito das contratações públicas. Se, outrora, a adoção do credenciamento estava adstrita à potencial contratação de todos os prestadores aptos e interessados em realizar determinados serviços, quando o interesse público fosse melhor atendido com a contratação do maior número possível de prestadores simultâneos, atualmente, segundo a Lei n. 14.133/2021, admite-se que o credenciamento seja adotado não apenas para a ulterior contratação da prestação de serviços, mas também para o fornecimento de bens (aquisições), nas hipóteses descritas pelos incisos do caput do artigo 79, quais sejam:

  • Contratação paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas;
  • Contratação com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação;
  • Contratação em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação

(…)

47. Vale frisar, a utilização do credenciamento para “mercados fluidos” permite que a contratação decorrente deste procedimento auxiliar se dê sem a prévia definição de preços, o que induz a aceitação de “preços dinâmicos” pela Administração. Trata-se de uma arrojada evolução normativa, pois o formato de estabilização do preço em proposta vinculada a período longo, como sugerido com as Atas de Registro de Preços, é ineficiente para diversos mercados, induzindo preços mais altos ou propostas irresponsáveis[28] que prejudicam eventual vantagem decorrente do ganho de economia de escala teoricamente alcançado por uma compra concentrada[29]. Admitir a dinamicidade dos preços, em determinados mercados (como gêneros alimentícios, medicamentos, insumos de saúde, combustível, equipamentos e serviços fortemente impactados pela variação cambial), pode ser a opção economicamente mais eficiente para uma plataforma de e-marketplace.

48. Com a formatação permitida pela Lei n. 14.133/2021, notadamente na hipótese de contratações em mercados fluidos, necessário vislumbrar que o credenciamento cria interessante base normativa para um e-marketplace público, favorecendo enorme incremento de eficiência nas contratações da Administração[30]. (grifei)

Diante disso, o art. 2 da IN 52/2025 define que “os bens e serviços comuns, inclusive de engenharia, serão disponibilizados no Contrata+Brasil por meio de credenciamento ou outros procedimentos auxiliares”.

A simplificação da etapa de planejamento

Uma das qualidades do Contrata+Brasil é a simplificação da etapa de planejamento da contratação. Basicamente, a IN 52/2025 delega a um órgão ministerial essa etapa, aliviando a carga dos órgãos aderentes. Deste modo, a função dos órgãos aderentes se inicia no cadastro da demanda, diretamente no sistema.

Para isso, a IN 52/2025 criou a figura do órgão central, do órgão administrador e do órgão comprador. Em síntese, conforme o art. 4, o órgão central é a Diretoria de Normas e Sistemas de Logística da própria SEGES, o órgão administrador é a Central de Compras da SEGES e órgão comprador é o órgão aderente ao Contrata+Brasil.

O parágrafo único, do art. 10, não deixa dúvidas quanto ao papel de cada órgão. As etapas preparatória e de divulgação do Edital ficam a cargo da Central de Compras. E as etapas de registro da demanda, seleção, habilitação, contratação e pagamento ficam a cargo do órgão comprador, ou seja, os órgãos aderentes ao Contrata+Brasil.  

O § 2º do art. 15 também reforça a simplificação do planejamento pelos órgãos compradores ao dispensá-los “da realização do Estudo Técnico Preliminar, Análise de Riscos, Termo de Referência, e Edital de Contratação, sendo os procedimentos descritos nesta Instrução Normativa suficientes para a contratação”.

Além disso, § 3º do art. 15 permite que a estimativa de preços seja realizada concomitantemente com a seleção da proposta. Em outras palavras, para realizar a contratação através do Contrata+Brasil, não é preciso realizar a Pesquisa de Preços de forma antecipada. Ela será feita em conjunto com a escolha da proposta.    

Por outro lado, para registrar uma demanda, é preciso que aquele objeto de contratação esteja contemplado no Edital e demais documentos já produzidos pela Central de Compras. Por exemplo, se o Edital não previu a aquisição de impressoras, não pode o órgão comprador registrar uma demanda de compra de impressora. 

Cumprida a etapa de planejamento, a etapa seguinte é o registro da demanda pelo órgão comprador.

Registro da demanda e seleção do fornecedor

O registro da demanda deverá ocorrer em formulário próprio do sistema e corresponderá ao Documento de Formalização de Demanda (um dos documentos exigidos pela Lei n.º 14.133/2021 em um processo tradicional de contratação). A descrição deverá conter as seguintes informações mínimas, conforme o § 1º, art. 15, da IN 52/2025: 

I – objeto da demanda;

II – local/locais de prestação do serviço ou entrega do objeto;

III – informação sobre previsão da contratação no Plano de Contratações Anual, se houver;

IV – justificativa da necessidade da contratação;

V – prazo de entrega ou prazo para realização do serviço, observados os limites fixados no edital; e

VI – forma e prazo de pagamento, observados os limites fixados no edital.

Além das informações acima, o órgão precisa verificar que possui recurso orçamentário para a contratação.

Registrado a demanda, a seleção do fornecedor poderá ser realizada por meio de proposta dos fornecedores ou listagem de fornecedores. O art. 18 da IN 52/2025 permite que no caso de seleção por meio de proposta de fornecedores (que deve ser o procedimento mais comum), microempresas e empresas de pequeno porte com sede local ou regional, terão prioridade de contratação quando os valores propostos estejam situados em valor até 10% superior às propostas de empresas com sedes distintas.   

Quanto ao sigilo da proposta, a norma garante que o órgão comprador “não terá acesso à identificação dos fornecedores até o encerramento do prazo para envio de propostas”.

A habilitação será posterior à escolha da proposta e deverá respeitar às exigências estabelecidas no Edital – como dito, já elaborado pela Central de Compras. O órgão comprador deverá realizar a habilitação em até 5 dias úteis.  

Contrato, pagamento e monitoramento

Após a verificação das condições de habilitação do fornecedor, o órgão comprador deve formalizar a regularidade e iniciar os procedimentos para a assinatura do contrato ou instrumento equivalente, sendo obrigatório que essa assinatura ocorra diretamente na plataforma Contrata+Brasil.

Em relação ao pagamento, o art. 24 da IN 52/2025 determina que os valores dos objetos contratados por meio do Contrata+Brasil serão, preferencialmente, realizados via Pix ou cartão de pagamento. Aqui, percebe-se que a inovação da Prefeitura de Recife, que permitiu o pagamento via Pix, foi replicada no Contrata+Brasil.  

A forma de pagamento deverá ser previamente especificada no registro da demanda. O prazo para efetivação do pagamento, por sua vez, deve seguir as disposições contidas no edital e na regulamentação existente, conforme previsto no art. 25 da IN 52/2025.

O monitoramento e acompanhamento da contratação são compostas por duas ações principais, ambas a serem informadas no Contrata+Brasil. A primeira é a sinalização da realização dos bens ou serviços, e a segunda é a sinalização do pagamento correspondente. Essas ações visam garantir a transparência e o acompanhamento das etapas pós-contratação.

A sinalização da realização dos bens ou serviços, segundo o art. 27, corresponde à declaração, por parte do órgão comprador, de que os bens foram entregues ou os serviços foram executados em total conformidade com o contrato ou instrumento equivalente. Já a sinalização do pagamento envolve duas etapas: a declaração de pagamento pelo órgão comprador e, crucialmente, a concordância do fornecedor contratado com essa declaração.

Para assegurar a integridade do processo de monitoramento, o regulamento estabelece que, caso o fornecedor não concorde com a declaração de pagamento em até cinco dias úteis, o órgão comprador será notificado para confirmar o pagamento. 

Além disso, o parágrafo segundo do art. 28 prevê que o descumprimento das regras ou prazos pelo órgão comprador poderá resultar na suspensão de suas transações no sistema até a devida regularização. 

Cadastro do fornecedor

A plataforma é totalmente gratuita, e aberta a qualquer fornecedor interessado. O fornecedor interessado deve requerer sua inscrição diretamente pela plataforma. O cadastro é facilitado caso o fornecedor já tenha cadastro no SICAF.

Uma vez inscrito, o fornecedor tem a opção de cadastrar propostas antecipadamente para os bens ou serviços de sua linha de atuação, especificando valores, prazos de entrega e condições de pagamento para cada localidade atendida. 

Essas propostas pré-cadastradas serão automaticamente apresentadas pelo sistema em oportunidades de negócio que correspondam ao objeto e localidade informados. Contudo, se o fornecedor não tiver propostas pré-cadastradas, ele deverá apresentá-las diretamente para a oportunidade de negócio de seu interesse, respeitando o prazo estabelecido pelo órgão comprador.  

Inativação temporária, cancelamento e sanções

O art. 37 da IN 52/2025 define a inativação temporária como uma medida cautelar que paralisa as atividades do fornecedor na plataforma, visando garantir a integridade de futuras oportunidades de negócio.

Por sua vez, o art. 38 detalha as hipóteses que podem levar à inativação temporária. Isso inclui a falta de atualização das informações cadastrais ou a não aceitação de novos termos e condições, e a ausência de resposta do fornecedor a tentativas de contato em oportunidades de negócio para as quais tenha apresentado proposta. 

A medida também é acionada em caso de indícios de autoria e materialidade de infrações administrativas graves, como inexecução contratual (total ou parcial com grave dano), não celebração do contrato, apresentação de documentação ou declaração falsa, fraude em licitação ou na execução do contrato, comportamento inidôneo, atos ilícitos para frustrar objetivos licitatórios, ou atos lesivos previstos na Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).

Para o fornecedor que já foi condenado por infrações graves listadas no art. 155 da Lei n.º 14.133/2021, se ele apresentar novos indícios de problemas — como a inexecução parcial de um contrato, a não entrega de documentos, a desistência de uma proposta sem justificativa, ou atrasos injustificados na entrega do objeto —, sua inscrição no sistema pode ser inativada temporariamente. Essa medida serve como uma precaução, visando proteger a Administração Pública de futuros problemas com um fornecedor que já demonstrou condutas inadequadas.

A duração da inativação temporária varia de acordo com o motivo:

  • Dados Desatualizados: Se a inativação for por falta de atualização cadastral, ela dura até que o fornecedor atualize suas informações.
  • Falta de Resposta: Se for por não responder a contatos em oportunidades de negócio, a inativação persiste até que o fornecedor solicite sua reativação.
  • Infrações Graves (Inciso III e IV do art. 38): Para casos mais sérios, como os novos indícios de infrações administrativas, a inativação temporária se estende até o final do processo administrativo sancionador conduzido pelo órgão comprador. Há, porém, um limite de 30 dias para essa inativação, e o processo sancionador deve ser iniciado em até 10 dias para que a inativação temporária se mantenha durante esse período.

Um aspecto importante é que, se o processo administrativo sancionador resultar na aplicação de uma penalidade mais severa, como o impedimento de licitar e contratar ou a declaração de inidoneidade, o período em que o fornecedor ficou com sua inscrição inativada temporariamente no Contrata+Brasil será considerado e abatido do tempo total de cumprimento da sanção final. Isso significa que o tempo de “suspensão” cautelar não é perdido e contribui para a penalidade definitiva.

O art. 39 da IN 52/2025 esclarece que a inativação temporária é adotada sem prévia manifestação do fornecedor, bastando a indicação de uma das hipóteses do art. 38 pelo órgão administrador ou comprador. O fornecedor será cientificado da inativação e terá a oportunidade de se manifestar. Caso sua manifestação seja acatada, a inativação temporária será cancelada.

Por fim, o art. 42 reitera que o fornecedor está sujeito às sanções administrativas previstas na Lei n.º 14.133/2021 e no edital, com garantia de contraditório e ampla defesa, sendo as sanções aplicadas pelo órgão competente e registradas nos cadastros pertinentes.

Principais inovações

Os aspectos inovadores e corajosos do Contrata+Brasil são muitos, pode-se perceber que a SEGES decidiu pensar diferente – ainda que isso também leve a determinados riscos. Eis alguns dos aspectos mais interessantes do Contrata+Brasil, na minha opinião:

  1. Centralização do maior número de procedimentos em uma única plataforma;
  2. Alívio da carga de planejamento sobre os órgãos compradores;
  3. A estimativa de preços concomitante à escolha da proposta;
  4. Priorização do desenvolvimento local e regional;
  5. Pagamento via Pix;
  6. Suspensão do órgão comprador, em caso de não cumprir com o pagamento ao fornecedor;
  7. Inativação temporária do fornecedor. 

O lançamento do programa

O lançamento do Contrata+Brasil ocorreu no dia 11 de fevereiro de 2025, durante o Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas, realizado pelo governo federal, em Brasília. Durante o lançamento, a Ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, disse o seguinte:

A gente tem uma baixíssima participação dos microempreendedores individuais nas contratações públicas e a gente estava tentando ver ideias de como eles poderiam participar mais. É uma grande plataforma de contratações públicas, mas que começa justamente com a contratação de microempreendedor individual para pequenos reparos nas contratações públicas em todos os âmbitos, em todos os Poderes, em todas as esferas. 

(…)

A Receita Federal tem todo o cadastro dos MEIs, mas os MEIs vão entrar lá e também vão dizer o que eles podem fazer, se são pintores, se são eletricistas, encanadores, e a partir do momento em que a prefeitura onde ele mora cadastrar uma oportunidade que seja do âmbito da função dele, ele vai receber no celular dele, no WhatsApp, uma mensagem (…) a gente vai dinamizar muito as economias locais.6

Ao especificar a contratação dos MEIs, a ministra se referia ao Edital de Credenciamento n.º 03/2025, que restringiu a participação aos Microempreendedores Individuais (MEIs). Mas, isso fica para o próximo artigo.   

⏭️ No próximo artigo… o primeiro edital de credenciamento e a participação exclusiva dos MEIs.  

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Aviso: Minha formação acadêmica não é em Direito, e sim em Administração e Gestão. Sendo assim, não tenho competência para fazer uma análise jurídica. Meu objetivo aqui é trazer a minha interpretação e ensinamentos que obtive após leitura e análise do(s) referido(s) documento(s). Caso queira contribuir com uma análise jurídica, sinta-se à vontade para comentar.

Notas e Referências

1. RONNY CHARLES. DR Live – O interessante Projeto Contrata + Brasil do Governo Federal. Youtube, 18 fev. 2025. 56min59s. Disponível em: <https://youtu.be/xS82Igmbc-g?si=4bUcfjanIlt4nRcc>. Acesso em: 31 jul. 2025.

2. BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer n.º 00004/2024/CGEST/CGU/AGU. 19 abr. 2024. Análise Jurídica Sobre Viabilidade De Implementação Da Vitrine De Compras Públicas. Dúvidas Teóricas Sobre A Modelagem. Análise Em Tese. Disponível em: <https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Parecer-0004_CGEST.pdf>. Acesso em: 31/07/2025. 

3. A importância do Parecer n.º 00004/2024/CGEST/CGU/AGU para o Contrata+Brasil, foi dito diversas vezes pelo Roberto Pojo. Ele afirmou isso tanto na citada entrevista concedida a Ronny Charles (veja a nota 1) quanto em entrevista concedida para o Podcast Reverbere, do Portal L&C.

4. BRASIL. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Secretaria de Gestão e Inovação. Instrução Normativa SEGES/MGI n.º 52, de 10 de Fevereiro de 2025. 10 fev. 2025. Cria o Contrata+Brasil, plataforma de negócios públicos, módulo integrado à plataforma do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg), e dá outras providências. Disponível em: <https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-mgi-no-52-de-10-de-fevereiro-de-2025?utm_source=substack&utm_medium=email>. Acesso em: 31 jul. 2025. 

5. BRASIL. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Rio Grande do Norte adere ao Contrata+Brasil e abre oportunidades para microempreendedores. [Brasília,DF], 03 jul. 2025. Disponível em: <https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2025/julho/rio-grande-do-norte-adere-ao-contrata-brasil-e-abre-oportunidades-para-microempreendedores>. Acesso em: 31 jul. 2025. 

6. ABDI. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Contrata+Brasil: nova plataforma tecnológica promete simplificar compras públicas e impulsionar economia local. [S. l.], 11 fev. 2025. Disponível em: https://www.abdi.com.br/contrata-brasil-nova-plataforma-tecnologica-promete-simplificar-compras-publicas-e-impulsionar-economia-local/. Acesso em: 31 jul. 2025.

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