Archive

Como fazer uma pesquisa de preços pela nova lei de licitações

Se você é um servidor público, em algum momento da sua carreira é provável que você precise fazer alguma solicitação de compra ou de prestação de serviço. Porém, para que uma contratação ocorra, é preciso realizar uma pesquisa de preços. E como a nova lei de licitações (Lei n.º 14.133/2021) já está vigente, você precisa saber como fazer uma pesquisa de preços pela nova lei de licitações.

A pesquisa de preços é um procedimento fundamental nas licitações públicas. Ela desempenha um papel crucial ao estimar o valor de mercado de produtos ou serviços a serem licitados. Quando bem executada, contribui para o sucesso da licitação, economia de recursos públicos e transparência. Por outro lado, uma pesquisa ruim pode resultar em uma contratação com sobrepreço ou o fracasso da licitação. 

Neste artigo, eu vou te mostrar o que você precisa saber sobre a pesquisa de preços e como realizar essa importante etapa de uma contratação.

O que é uma pesquisa de preços?

A pesquisa de preços é uma etapa da fase de planejamento de uma licitação. Ela consiste em coletar os preços de mercado de um determinado bem ou serviço. Isso precisa ser feito porque uma licitação só pode ser realizada com base em determinando valor. Esse valor é o resultado da pesquisa de preços.

Por exemplo, se quiser comprar uma mesa de escritório, você precisa levantar os preços de mercado de uma mesa com as características que deseja adquirir. Vamos dizer que na sua pesquisa você levantou 4 preços: R$ 100,00; R$ 110,00; R$ 120,00; R$ 130,00. 

Com base nesses preços, é preciso chegar a um valor estatístico que represente esses preços — em geral, é usado a Média simples. Sendo assim, o preço estimado da futura licitação para essa mesa de escritório é de R$ 115,00 (R$ 100,00 + R$ 110,00 + R$ 120,00 + R$ 130,00 / 4 = R$ 115,00).

A pesquisa de preços na nova lei de licitações

A Lei n.º 14.133/2021 (nova lei de licitações), ao contrário da lei anterior de licitações (Lei n.º 8.666/1993), descreveu de forma mais detalhada as exigências para a realização da etapa da pesquisa de preços. Ou seja, em qualquer contratação pública, o que ela dispõe sobre essa etapa precisa ser cumprida pelos órgãos públicos. 

Os artigos 23 e 24, incluindo os incisos e parágrafos, são os principais que tratam da realização dessa etapa. Para evitar apenas a transcrição do que dispõe a lei, por esse link você pode consultar diretamente o artigo 23 da Lei n.º 14.133/2021. Entretanto, farei alguns destaques sobre esses dispositivos:

  1. Considere o quantitativo do bem/serviço, assim como o local de entrega/prestação do serviço. Isso é necessário porque comprar 1 caneta é muito diferente de comprar 10.000 canetas. Da mesma forma, entregar no interior da região Amazônica é muito diferente de entregar em uma metrópole como São Paulo (art. 23);
  2. Você pode e deve usar mais de um parâmetro para sua pesquisa de preços. Comento sobre isso em um tópico mais adiante (incisos I a V do § 1º do art. 23);
  3. A pesquisa de preços de uma obra ou serviço de engenharia possuem parâmetros específicos. Para esse tipo de objeto, é preciso usar o Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), ou o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi). O § 2º do art. 23 da Lei n.º 14.133/2021 é o que trata desse assunto;
  4. É preciso respeitar o regulamento aplicável ao seu órgão, que tem a função de detalhar os documentos que precisam ser elaborados e as atividades que o agente público deve realizar durante a pesquisa (caput do § 1º do art. 23).     

O regulamento aplicável pode ser tanto aquele geral de um órgão superior como um Ministério, assim como uma portaria ou resolução emitida diretamente por sua instituição. Isso depende de qual órgão você faz parte, assim como da existência ou não de um regulamento local.  

Por exemplo, eu faço parte de um órgão federal. Portanto, preciso respeitar a Instrução Normativa SEGES/ME n.º 65, de 7 de julho de 2021, atual regulamento da pesquisa de preços em âmbito federal. Se você é servidor(a) de um Município, por exemplo, é preciso verificar se o regulamento aplicável ao seu Município já foi instituído. 

Parâmetros da pesquisa de preços – nova lei de licitações     

Conforme a nova lei de licitações, os seguintes parâmetros devem ser usados na pesquisa:

  • Mediana do item semelhante ao desejado utilizando o painel para consulta de preços ou o banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);
  • Contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
  • Utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;
  • Pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;
  • Pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas (esse item ainda não foi regulamentado, o que dificulta sua utilização).

Esses são os parâmetros mínimos, considerando exclusivamente o texto da lei (lembre-se de consultar seu regulamento). Você pode usar os parâmetros de forma combinada ou não. Ou seja, é possível fazer uma pesquisa usando apenas os preços de um painel de preços, por exemplo.

Ficou alguma dúvida? Você pode entrar em contato comigo pelo formulário do site, pelo Instagram ou pelo e-mail contato@leandromaciel.pro.

Boas práticas para realização da pesquisa

É possível que alguém tenha dito para você: “É preciso pegar três preços para fazer a licitação.”. Desapegue dessa ideia. Esse é o mínimo de preços aceitável (salvo algumas exceções), utilizando como referência a nova lei de Licitações e a citada normativa federal (IN n.º 65/2021). 

Entretanto, há muito tempo vêm se consolidando pelo Tribunal de Contas da União, assim como em artigos acadêmicos, a ideia da cesta de preços.

A cesta de preços é quando se coleta, em mais de uma fonte pública e privada, os preços utilizados como referenciais para se chegar ao preço estimado daquela contratação. Em geral, a preferência recai pela utilização dos preços públicos, já que estes, em tese, estariam adaptados ao mercado público de contratações. Entretanto, a utilização de fontes privadas como complemento ao preço público é muito recomendada. Veja o que nos diz Renato Fenili¹:

Eis a necessidade – e a vantagem – de se mesclarem os preços colhidos no mercado com os inerentes às contratações já efetuadas por órgãos e entidades públicas. Entende-se que esta seja a combinação ideal em termos de fontes de pesquisa, pelos seguintes fatores:

ao se adotarem como fontes de pesquisa apenas propostas de empresas privadas, corre-se o risco de incorrer em sobrepreço, conforme exposto acima;

ao se adotarem como fontes de pesquisa apenas preços praticados pela Administração Pública, corre-se o risco de o preço estimado usualmente adotado como preço máximo – estar em patamar baixo, incrementando as chances de uma licitação fracassada.

Dessa maneira, ao se combinarem as duas fontes, há a suavização dos preços ofertados pelo segundo setor, ao mesmo tempo em que não se minimiza a chance de êxito do certame.

Lembra do exemplo da mesa de escritório e os preços coletados? Boas fontes poderiam ser as seguintes:

  1. R$ 100,00 (preço de uma contratação similar com a Adm. Pública);
  2. R$ 110,00 (preço de outra contratação similar com a Adm. Pública);
  3. R$ 120,00 (preço de um site especializado);
  4. R$ 130,00 (preço cotado diretamente com fornecedor).

Veja que, dessa forma, foram utilizados três parâmetros diferentes aceitos pela nova lei de licitações, e uma amostra com quatro preços, acima do mínimo desejado. Essa é uma boa pesquisa. 

Portanto, quando você for realizar uma pesquisa de preços, tenha em mente essa ideia da cesta de preços e a união de fontes de pesquisa. Diversos Acórdãos do TCU já trataram do tema como, por exemplo, o Acórdão n.º 2.816/2014 – Plenário, o Acórdão 1.875/2021 – Plenário e o recente Acórdão n.º 823/2024 – Plenário.

É muito importante acompanhar as jurisprudências sobre o assunto, como esses citados Acórdãos. Quer ser informado(a) quando saírem Acórdãos semelhantes, assim como notícias relevantes da área de licitações e contratos? Inscreva-se gratuitamente na minha newsletter

Para se inscrever, é simples, basta digitar seu e-mail abaixo e clicar em Subscrever:

Não se preocupe, não vou ficar enchendo sua caixa de entrada com Spam. Além disso, você pode cancelar o recebimento dos e-mails a qualquer momento, é só clicar em um botão ao final do e-mail recebido. Sem dor de cabeça.

Ferramentas para realização da pesquisa de preços pela nova lei de licitações

Você já sabe o que é uma pesquisa de preços, os parâmetros aceitáveis de uma pesquisa de preços pela nova lei de licitações e boas práticas para sua realização. Agora, você pode estar se perguntando sobre quais ferramentas ou softwares você poderia usar durante o procedimento. Veja cinco softwares/portais que podem ser usados para a coleta de preços.

Pesquisa de preços do Compras.gov

Recentemente, o Ministério da Gestão e Inovação, órgão superior da equipe responsável pela manutenção e desenvolvimento do Compras.gov, desenvolveu uma nova ferramenta disponível na área logada para os servidores de órgãos públicos cadastrados no Compras.gov. O nome é simplesmente Pesquisa de Preços, e faz parte de um conjunto de aplicativos disponíveis para os agentes públicos.

Captura de tela de nova ferramenta de Pesquisa de Preços do Compras.gov. Imagem que compõe o post "como fazer uma pesquisa de preços pela nova lei de licitações"
O Portal de Compras do governo federal tem uma nova ferramenta de pesquisa de preços bem interessante. Imagem: Portal de Compras

Essa ferramenta integra grande parte do banco de dados do portal, anteriormente chamado de Comprasnet, com o resultado das contratações realizadas por inúmeros órgãos públicos. Com essa ferramenta, você pesquisa por nome do item, código do material e pode excluir preços discrepantes para sua pesquisa. 

Outro recurso muito interessante é o cálculo de atualização de preços por índice de correção pela inflação, já integrados à ferramenta. São vários recursos interessantes. É uma ferramenta excelente e gratuita. Porém, é preciso do acesso à área logada do sistema.

Link para acesso: https://www.gov.br/compras/pt-br/sistemas/conheca-o-compras/pesquisa-de-precos 

Painel de Preços

Antes do atual Pesquisa de Preços citado anteriormente, os preços públicos eram consultados pelo Painel de Preços. O objetivo do painel é oferecer transparência aos resultados das contratações públicas. 

Porém, com os seus diversos filtros de consulta — por nome do material, código, CNPJ do fornecedor, órgão licitante, etc. — além do resultado do cálculo dos preços pela média ou mediana, o Painel de Preços era a principal ferramenta para a coleta de preços públicos.

Captura de tela do Painel de Preços. Imagem que compõe o post "como fazer uma pesquisa de preços pela nova lei de licitações"
Painel de Preços. Ferramenta um pouco mais antiga para a coleta de preços públicos. Imagem: Google Imagens

O problema é que o Painel de Preços estava sendo reformulado e talvez você não consiga o acesso a ele. Entretanto, caso consiga, é uma ferramenta totalmente aberta ao público, e pode ser usada por qualquer pessoa, independentemente de login.

Link para acesso: https://paineldeprecos.planejamento.gov.br/  

Google

Sim, isso mesmo, o Google também pode ser usado como fonte direta de pesquisa. Basta você pesquisar o objeto de uma licitação semelhante ao item que deseja. 

Voltando ao exemplo da mesa de escritório, em geral, as licitações para aquisição de mesas são chamadas de Aquisição de Mobiliário. Então, você poderia colocar no Google o seguinte texto para pesquisa: “Pregão eletrônico mobiliário resultado”. 

Tela de um notebook mostrando a página principal do buscador Google. Imagem que compõe o post "como fazer uma pesquisa de preços pela nova lei de licitações"
O Google também pode ser uma fonte de pesquisa. Imagem: Foto de Firmbee.com na Unsplash 

É importante que você localize os resultados das contratações, porque você precisa chegar ao valor após disputa e não o valor estimado para abertura da licitação. Alguns documentos que mostram esse resultado podem ser os seguintes: Relatório do Julgamento, Termo de Homologação ou Termo de Adjudicação.

O ruim da consulta direto pelo Google é que não tem opções de filtro, como no Compras.gov e no Painel de Preços, mas pode ser um fonte, sim, de pesquisa, desde que você chegue ao documento do resultado da contratação.

Link para acesso: https://www.google.com/   

Banco de Preços

Também existe no mercado ferramentas privadas para a realização de pesquisa de preços. Dependendo da sua arquitetura de desenvolvimento, essas ferramentas têm a vantagem de utilizarem bancos de dados além do Compras.gov. Elas podem, por exemplo, utilizar bancos de dados estaduais ou de empresas estatais. Entretanto, com já disse, elas são pagas.  

Tela de um notebook mostrando o painel do Banco de Preços. Imagem que compõe o post "como fazer uma pesquisa de preços pela nova lei de licitações"
Captura de tela do Banco de Preços. Ótima ferramenta privada para pesquisa de preços. Imagem: Portal do Banco de Preços

Uma ferramenta que já utilizei e recomendo é o Banco de Preços, desenvolvido pela Negócios Públicos, empresa de referência na área de capacitação em compras públicas. Assim como o Pesquisa de Preços, possui diversos filtros para análise, consultas e emissão de relatórios, incluindo a correção de preços pela inflação. É uma ótima ferramenta. 

(Esse post não é patrocinado, recomendo porque já usei e sei que é bom).

Link para acesso: https://www.bancodeprecos.com.br/ 

Site especializado

Até agora, citei algumas ferramentas para a coleta de preços públicos (incisos I e II, § 1º, art. 23, da Lei 14.133/2021). E os preços privados (inciso III, § 1º, art. 23, da Lei 14.133/2021)? Esse é mais fácil. O mais comum é a utilização dos sites especializados na venda dos produtos semelhantes aos desejados na sua compra.

Voltando ao exemplo das mesas de escritório. Você poderia consultar os preços de produtos que atendem à sua descrição em sites como:

As opções são inúmeras. E vai depender do material que pretende se adquirir. Por exemplo, se o material a ser adquirido são equipamentos de laboratório, você precisa consultar sites especializados nesse tipo de produto.

Atenção! A citada IN 65/2021, além de inúmeros Acórdãos do TCU, recomendam sempre dar preferência aos preços públicos. Então, como já dito, inclua os preços privados para um balanceamento da sua pequisa, mas dê preferência aos preços públicos. Por exemplo, em uma amostra de 5 preços, você pode usar 3 preços públicos e 2 preços privados. Tudo bem?

Conclusão

Espero que eu tenha te ajudado a realizar sua pesquisa de preços. É uma etapa fundamental de uma licitação e, se bem feita, pode proporcionar economia de recursos públicos. Por outro lado, se mal feita, pode gerar licitações fracassadas e até mesmo a responsabilização do agente público.

Se quiser receber outros artigos semelhantes, além de notícias e conteúdos recomendados da área de licitações e contratos, inscreva-se na minha newsletter. É gratuita!

Se ficou alguma dúvida, você pode entrar em contato comigo pelo formulário do site, pelo Instagram ou pelo e-mail contato@leandromaciel.pro.         

Sucesso na sua licitação!

 Referências:

¹FENILI, Renato. Boas práticas administrativas em compras e contratações públicas. Rio de Janeiro: Impetus, 2016.

Inteligência Artificial nas licitações: presente e futuro

A era da Inteligência Artificial (IA) chegou. E já chegou (há alguns anos) também na área de licitações e contratações públicas. Um exemplo é a utilização dos robôs de lances — prática utilizada inicialmente pelas empresas ainda quando predominava o famoso “tempo randômico” nos pregões eletrônicos. 

Em tempos de ChatGPT, Midjourney e Deep Fake, como será que as contratações públicas serão afetadas? Bom, pretendo neste artigo mostrar ótimas iniciativas que encontrei e perspectivas de como poderão ser as próximas aplicações da inteligência artificial nas licitações.    

Robô de lances: IA para os fornecedores

Basicamente, o robô de lances permite aos fornecedores automatizar o envio de lances durante uma disputa eletrônica. O objetivo é evitar que uma pessoa precise manualmente inserir um lance, o que pode acarretar erros de preenchimento e o fracasso em uma disputa.   

Como disse no início desse texto, a utilização do robô de lances foi uma das primeiras aplicações de uso da inteligência artificial em licitações. Existem registros que a identificação desses robôs começou a ser percebida desde 2004¹. 

Além disso, o Tribunal de Contas da União, em 2011², decidiu que o uso dos robôs poderiam violar o princípio da isonomia, recomendando que o órgão federal responsável pelo antigo Comprasnet deveria inibir ou limitar o seu uso. Portanto, o uso do robô de lances tem, seguramente, no mínimo 15 anos de existência.

Eu acredito que a discussão de proibir o uso do robô de lances foi superada, já que houve a mudança de critério de disputa. Antes, havia o tempo randômico de até 30 minutos, que poderia realmente beneficiar a empresa que usava o robô. 

Agora, no modo de disputa aberto do pregão eletrônico, a disputa é prorrogada a cada 2 minutos, caso tenha um novo lance. Sendo assim, a velocidade de inserção de um lance não faz tanta diferença. Além disso, para garantir a isonomia, o novo sistema Compras.gov permite a automatização dos lances pelos fornecedores, com fundamento no art. 19 da Instrução Normativa SEGES/ME Nº 73, de 30 de setembro de 2022:

Art. 19. Quando do cadastramento da proposta, na forma estabelecida no art. 18, o licitante poderá parametrizar o seu valor final mínimo ou o seu percentual de desconto final máximo e obedecerá às seguintes regras:

I – a aplicação do intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta; e

II – os lances serão de envio automático pelo sistema, respeitado o valor final mínimo estabelecido e o intervalo de que trata o inciso I.

§ 1º O valor final mínimo ou o percentual de desconto final máximo de que trata o caput poderá ser alterado pelo fornecedor durante a fase de disputa, sendo vedado:

I –  valor superior a lance já registrado pelo fornecedor no sistema, quando adotado o critério de julgamento por menor preço; e

II – percentual de desconto inferior a lance já registrado pelo fornecedor no sistema, quando adotado o critério de julgamento por maior desconto.

§ 2º O valor final mínimo ou o percentual de desconto final máximo parametrizado na forma do caput possuirá caráter sigiloso para os demais fornecedores e para o órgão ou entidade promotora da licitação, podendo ser disponibilizado estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.

Sendo assim, o uso do robô de lances já é uma realidade, e uma boa ferramenta para os fornecedores.

Inteligência Artificial para os Tribunais de Contas

Outra realidade é a utilização da IA pelos Tribunais de Contas em diversas ferramentas que auxiliam o trabalho de auditoria e controle das contas públicas. Destaco a seguir algumas ferramentas usadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)³:

  • ALICE – Análise de Licitações e Editais: realiza análise de editais e atas de pregão para identificar riscos em licitações.   
  • SOFIA – Sistema de Orientação sobre Fatos e Indícios para o Auditor: auxilia na elaboração de instruções, relatórios e documentos.   
  • ÁGATA – Aplicação Geradora de Análise Textual com Aprendizado: apoio na construção de bases de treinamento para algoritmos de classificação automática.   
  • MONICA – Monitoramento Integrado para o Controle de Aquisições: painel que abrange informações sobre aquisições públicas, como licitações e aquisições diretas.   
  • SAO – Sistema de Análise de Orçamentos: ferramenta de avaliação de risco em orçamentos de obras públicas.   
  • ADELE – Análise de Disputa em Licitações Eletrônicas: painel que apresenta a dinâmica de lances em pregões eletrônicos.   
  • MARINA – Mapa de Riscos nas Aquisições: avalia o nível de risco das contratações do Poder Executivo Federal.   
  • CARINA – Crawler e Analisador de Registros da Imprensa Nacional: rastreia e analisa informações em publicações do Diário Oficial da União sobre aquisições governamentais.   

Essas são apenas algumas das ferramentas usadas pelo TCU, que realiza, de fato, um trabalho louvável no aspecto da inovação na gestão pública. 

Porém, não é só em âmbito federal que a inteligência artificial nas licitações é utilizada. O Tribunal de Contas de Santa Catarina desenvolveu um sistema de inteligência artificial que pretende analisar 100% das licitações realizadas no estado. O sistema denominado VigIA procura irregularidades nos editais publicados oficialmente pelo próprio governo do estado e pelos seus municípios.4 

Quer se manter informado(a) sobre as notícias e acórdãos da área de licitações e contratações públicas? Receba no seu e-mail gratuitamente as edições da Licitando, minha newsletter semanal com notícias, posts do blog e curadoria de conteúdo. Para se inscrever, é só inserir seu e-mail abaixo:

Perspectivas para o futuro

Vejo que uma maior evolução é necessária no aspecto do planejamento da licitação, de forma que a inteligência artificial seja aplicada na elaboração dos documentos que compõem a fase preparatória, como o Estudo Técnico Preliminar, o Termo de Referência e na elaboração do edital da licitação, entre outros.

Por exemplo, na grande maioria dos órgãos, a etapa de elaboração do edital consiste basicamente em copiar manualmente partes de um ou mais editais com objeto semelhante. Ainda que a etapa se inicie a partir de um modelo, muito trabalho manual do agente público ocorre por meio de digitação das partes do edital. 

Um bom sistema para elaborar os editais através da utilização da inteligência artificial seria possível, tornando os editais mais objetivos, enxutos e “inteligentes”. Um caminho interessante seria que esse sistema tivesse inclusive uma comunicação com os referidos sistemas de IA já utilizados pelos Tribunais de Contas. Dessa forma, haveria um trabalho preventivo de controle de regularidade.

Assim também defende Aldem Johnston Barbosa Araújo5:

O controle (interno e externo) praticamente em tempo real exercido com o uso de uma IA sobre instrumentos produzidos a partir do emprego de outra IA findará por chancelar atos e contratos praticamente “inquestionáveis”, pelo menos no âmbito administrativo.

(…)

E sejamos honestos, com o passar dos anos, qual a chance de um licitante questionar, de forma exitosa, um edital que foi elaborado (fazendo-se uso de IA) tendo por base as melhores experiências de contratações da administração pública e que foi aprovado (com emprego de IA) pelo Tribunal de Contas? A pergunta, no meu sentir, é meramente retórica.

Os benefícios da IA também poderiam ser aplicados na fase de julgamento da proposta e habilitação do fornecedor, de modo instrumental à atuação do agente de contratação. Nesse sentido, sugere Luiz Felipe Hadlich Miguel6:

No âmbito das contratações públicas, é perfeitamente possível que um robô auxilie os agentes públicos no curso do processo. Poderia, por exemplo, buscar eventuais sanções sofridas pelos partícipes em certames anteriores, seu faturamento atual (para saber se gozariam dos benefícios concedidos pela lei às micro e pequenas empresas), ou mesmo quais seus sócios, no intuito de verificar se, dentre eles, algum detém vínculo com o órgão contratante.    

De certa forma, em âmbito federal, alguns desses indicadores citados pelo autor já podem ser consultados pelo Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores — como as sanções sofridas pelas empresas. Entretanto, o uso efetivo da IA com uma ampla base de dados e maior poder de processamento, poderá aumentar ainda mais a potencialidade da ferramenta.  

E qual o papel do agente de contratação/pregoeiro diante disso tudo? Será ele substituído pela IA?

Agente de contratação x Inteligência Artificial nas licitações 

A IA será uma ferramenta para o agente de contratação. Não considero prudente, nem possível, uma substituição completa do agente de contratação. 

A IA não deve tomar uma decisão para o agente público, ela pode indicar e apresentar um cenário. Ela não vai negociar com o fornecedor, ainda que possa, diante de uma base de dados de contratações anteriores, apresentar os preços contratados por esse fornecedor. Ela não deve escrever totalmente uma resposta ao recurso, sem a aprovação e ajustes do próprio agente de contratação.

Ou seja, a IA tem potencial de auxiliar (e muito) o agente de contratação. Mas, para isso, ele precisa ser capacitado para atuar na área de licitações e contratos, a IA não vai substituir isso. A IA não é capaz de atuar de forma ética, apenas o agente público poderá e deverá fazer as ponderações éticas tão necessárias nessa área de atuação.

O futuro é promissor.

Referências: 

¹ O uso do robô nas licitações. Effecti. Disponível em: https://www.effecti.com.br/blog/robo-nas-licitacoes/ . Acesso em: 16 de julho de 2024.

² Acórdão 2601/2011 – Plenário. Tribunal de Contas da União. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/redireciona/jurisprudencia-selecionada/JURISPRUDENCIA-SELECIONADA-18271 . Acesso em: 16 de julho de 2024.

³ Uso de inteligência artificial aprimora processos internos no Tribunal de Contas da União. Tribunal de Contas da União. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/uso-de-inteligencia-artificial-aprimora-processos-internos-no-tcu.htm . Acesso em: 16 de julho de 2024.

4 Inteligência artificial desenvolvida pelo TCE/SC vai permitir análise de 100% do editais de licitação; iniciativa é pioneira entre os TCs do país. Tribunal de Contas de Santa Catarina. Disponível em: https://www.tcesc.tc.br/inteligencia-artificial-desenvolvida-pelo-tcesc-vai-permitir-analise-de-100-do-editais-de-licitacao . Acesso em: 16 de julho de 2024.

5 As licitações, os contratos e o controle do futuro. Aldem Johnston Barbosa Araújo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jun-27/as-licitacoes-os-contratos-e-o-controle-do-futuro/. Acesso em: 17 de julho de 2024.

6 Miguel, Luiz Felipe Hadlich . Compras públicas inteligentes: e-marketplace público, o fim das cláusulas exorbitantes. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2024. 182 p. ISBN 978-85-519-2841.    

Super Pregoeiro: o faz-tudo

Há alguns meses, participei de forma online do 19º Congresso Brasileiro de Pregoeiros e Agentes de Contratação. Acompanhando os comentários dos participantes via chat, percebi que muitos alegavam o acúmulo de funções, atuando em diversas etapas de um processo licitatório, como na fase preparatória e na fase externa, ou na fase preparatória e na execução do contrato. É o super agente de contratação/super pregoeiro(a).

Atribuições do pregoeiro/agente de contratação

Todo agente público possui atribuições relacionadas ao cargo que ocupa. Essas atribuições podem estar definidas em lei, ou outro normativo federal/estadual/municipal. Entretanto, cargo público e função pública são conceitos diferentes. Na grande maioria dos órgãos, o agente de contratação/pregoeiro(a) é uma designação de função e não um cargo público.    

Por que estou dizendo isso? Um servidor público pode realizar diversas atividades em seu órgão, desde que previstas na descrição do seu cargo. Entretanto, quando designado pregoeiro e exercendo esta função, esse agente deve realizar atividades específicas previstas na legislação. 

Sendo assim, vejamos o que dispõe a Lei n.º 14.133/2021 sobre o agente de contratação, pregoeiro e comissão de contratação:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

(…)

L – comissão de contratação: conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares;

(…)

LX – agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

(…)

Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

§ 1º O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe.

(…)

§ 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.   (Regulamento)   Vigência

§ 4º Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar os agentes públicos responsáveis pela condução da licitação.

§ 5º Em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro.

As atribuições da comissão de contratação e do agente de contratação são basicamente as mesmas. A diferença reside no fato que o agente é uma única pessoa, e a comissão é um grupo de pessoas.  

O § 3º do art. 8º da Lei n.º 14.133/2021 estabeleceu que as regras de atuação do agente/comissão serão definidas em regulamento. Sendo assim, em âmbito federal, foi publicado o Decreto n.º 11.246, de 27 de outubro de 2022, que definiu no seu art. 14 como deve ocorrer a atuação do agente de contratação.

Da leitura desses dispositivos, podemos extrair as seguintes atribuições da função de agente de contratação/pregoeiro(a):

  • Acompanhar o trâmite da licitação;
  • Zelar pelo bom andamento do certame até a homologação;
  • Se necessário, demandar às unidades de contratações para saneamento da fase preparatória;
  • Promover diligências para cumprimento do calendário de contratação;
  • Tomar decisões em prol da boa condução da licitação;
  • Dar impulso ao procedimento licitatório;
  • Receber, examinar e decidir as impugnações e os pedidos de esclarecimentos, por meio de subsídios aos responsáveis pela elaboração dos documentos;
  • Negociar, quando for o caso, condições mais vantajosas com o primeiro colocado;
  • Verificar conformidade e aceitar proposta mais bem classificada;
  • Sanear erros ou falhas que não alterem a substância das propostas;
  • Verificar e julgar as condições de habilitação;
  • Indicar o vencedor do certame;
  • Conduzir os trabalhos da equipe de apoio;
  • Encaminhar o processo instruído, após encerradas as fases de julgamento e de habilitação e exauridos os recursos administrativos, à autoridade superior para adjudicação e para homologação.

Qualquer gestor público que conhece o mínimo de um processo licitatório, sabe que isso não é pouco. São atividades de grande responsabilidade que demandam bastante tempo, principalmente quando a licitação refere-se a um objeto mais complexo ou com muitos itens.

Veja que essas são atribuições de uma única licitação — muitos agentes de contratação lidam com várias licitações ao mesmo tempo. Ou seja, multiplique as atribuições acima por 2x, 3x, 4x, 5x, etc.

Nesse sentido, veja o que diz o Prof. Joel de Menezes Niebuhr¹ sobre o papel do agente de contratação:

A responsabilidade do agente de contratação, do pregoeiro e da comissão de contratação é reflexo das suas atribuições. Eles são responsáveis por aquilo que fazem (comportamento comissivo) ou pelo que deixam de fazer (comportamento omissivo) diante das competências que lhes foram acometidas. Não devem, por via de consequência, ser responsabilizados por atos ou fatos estranhos às suas atribuições, salvo se atuarem com desvio de função. (grifei)

Então, fica a pergunta: é razoável atribuir ainda mais funções e atividades relacionadas a um mesmo agente de contratação?

🤚 Está gostando do conteúdo? Inscreva-se gratuitamente na minha newsletter para receber novos conteúdos do Blog, além de um destaque de notícias da semana na área de licitações e contratos.

A fim de tentar, de uma vez por todas, esclarecer o papel do pregoeiro na fase preparatória, o citado Decreto n.º 11.246/2022 definiu expressamente o que o pregoeiro não está obrigado a fazer:    

§ 1º  O agente de contratação será auxiliado, na fase externa, por equipe de apoio, de que trata o art. 4º, e responderá individualmente pelos atos que praticar, exceto quando induzido a erro pela atuação da equipe.

§ 2º  A atuação do agente de contratação na fase preparatória deverá ater-se ao acompanhamento e às eventuais diligências para o fluxo regular da instrução processual.

§ 3º  Na hipótese prevista no § 2º, o agente de contratações estará desobrigado da elaboração de estudos preliminares, de projetos e de anteprojetos, de termos de referência, de pesquisas de preço e, preferencialmente, de minutas de editais.

Portanto, está definido no regulamento federal o que pregoeiro não deve fazer:

  • Elaboração de Estudo Técnico Preliminar;
  • Elaboração de projetos e anteprojetos;
  • Elaboração de Termo de Referência;
  • Realização da pesquisa de preços;
  • Elaboração do Edital. 

Riscos da sobrecarga de atribuições do pregoeiro

Diversos riscos estão envolvidos quando a autoridade competente permite atribuir ao pregoeiro ainda mais atividades, além daquelas previstas nos normativos. Cito a seguir quatro principais riscos envolvidos.

Descumprimento ao princípio da segregação de funções

O Tribunal de Contas de União já decidiu diversas vezes que atribuir ao pregoeiro atividades alheias às suas competências, trata-se de uma irregularidade. Veja, por exemplo, o Acórdão 3381/2013 – Plenário e o Acórdão 1372/2019 – Plenário

Outra consequência da não observância ao princípio da segregação de funções é possibilitar que o agente público, mal-intencionado, esconda algum erro cometido ou, pior, cometa uma fraude à licitação, por meio de conluio com o fornecedor. 

Aliás, é exatamente isso que prevê o art. 12 do Decreto n.º 11.246/2022:

Princípio da segregação das funções

Art. 12.  O princípio da segregação das funções veda a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na contratação.

Parágrafo único.  A aplicação do princípio da segregação de funções de que trata o caput:

I –  será avaliada na situação fática processual; e

II – poderá ser ajustada, no caso concreto, em razão:

a) da consolidação das linhas de defesa; e

b) de características do caso concreto tais como o valor e a complexidade do objeto da contratação.

Desempenho inferior do pregoeiro 

Sobrecarregar um agente de contratação gera um impacto negativo no desempenho das licitações que o mesmo conduz. Essa foi a conclusão de Almeida e Sano (2019)²:

Sobre os aspectos organizacionais foi evidenciado, nos discursos dos entrevistados, que o acúmulo de outras funções, concomitantemente com a atividade de pregoeiro, impactou negativamente sua conduta. Os pregoeiros não estão concentrados exclusivamente na execução das atividades de compras e constata-se que o acúmulo de funções ao qual os pregoeiros do CLBI estão submetidos remete à falta de priorização da função compras no núcleo estratégico da organização, de acordo com os ensinamentos de Baily et al. (2008).

Fuga dos agentes públicos

Os servidores públicos que estão cientes das atribuições do agente de contratação, e que sabem das diversas vezes em que os órgãos de controle já multaram e responsabilizaram esses agentes, vão fugir o máximo possível dessa função. 

Seja por meio de remoções, permutas, transferências, redistribuições, entre outros institutos de movimentação de pessoal, aquele servidor vai tentar sair quanto antes dessa função. Ou seja, existe uma perda real de talentos e bons profissionais. E isso se amplifica ainda mais quando ocorre a sobrecarga de atribuições. 

É claro que existem aquelas pessoas com uma motivação intrínseca, que se identificam com a área e com o valor público que podem entregar. Todavia, posso atestar que vi um número muito maior de pessoas querendo sair, em comparação àquelas que gostariam de entrar.

Reflexos na saúde mental e física

É provável que, com a sobrecarga de trabalho, a pessoa desenvolva um stress crônico, ansiedade generalizada ou uma síndrome de burnout:

Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho

Um diagnóstico como esse vai, invariavelmente, afastar o agente público dessa função e prejudicar o andamento de uma ou mais licitações.

O papel da autoridade máxima  

A Lei n.14.133/2021 estabelece de forma muito clara a importância e o papel da autoridade máxima do órgão no que se refere ao gerenciamento das contratações. É a ela que cabe promover a gestão por competências (art. 7º, caput), observar o princípio da segregação de funções (art. 7º, § 1) e implementar a governança das contratações (art. 11, parágrafo único). 

Não cabe à autoridade se afastar dessa responsabilidade ou da área de compras de seu órgão. Sem a sua intervenção, o super pregoeiro vai continuar existindo e sendo um risco para a eficiência organizacional. 

E você? É um super pregoeiro no órgão em que trabalha? Deixe um comentário aqui no site ou no meu Instagram.

Espero que esse texto tenha sido útil para você, e possa te ajudar de alguma forma.

Até o próximo post!

Referências: 

¹ NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5. ed. 1. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2022. 1247 p. ISBN 978-65-5518-330-6.

² Almeida, A. A. M. de, & Sano, H. (2019). Fatores que influenciaram as condutas dos pregoeiros do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI). Revista De Administração Pública, 53(2), 331–348. Recuperado de https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/78501

Estudo Técnico Preliminar (ETP): O que é? Quando fazer?

Se você precisa fazer uma compra pública, ou tenha sido designado para a equipe de planejamento de uma contratação, um dos principais documentos que precisam ser elaborados é o Estudo Técnico Preliminar. Que documento é esse? Eu preciso realmente fazer isso? Pretendo responder essa questão neste post.

O Estudo Técnico Preliminar é um documento exigido pela Lei n.º 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) como um dos documentos que precisam constar da instrução do processo licitatório. Ou seja, salvo algumas exceções (que explicarei ao final do post), é uma imposição legal. 

A Lei estabelece que o ETP deve caracterizar “o interesse público envolvido” e “evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação”.

Assim, o agente público ou equipe responsável pelo ETP, deve manter o foco sobre a descrição de qual interesse público aquela contratação deve atender. Como seu público interno ou externo vai se beneficiar daquela contratação. Esse é o primeiro objetivo do ETP: o interesse público.  

Além disso, descrito o interesse público, qual o problema a ser enfrentado que motivaria a contratação? Ou seja, no ETP, primeiro deve-se pensar no problema, depois nas possíveis soluções para resolver aquele problema.

Muitas vezes, os responsáveis pela instrução processual já começam a fazer o ETP já sabendo qual é a solução que deve ser contratada. Por exemplo: “Necessidade de Contratar uma Empresa para Prestar Serviços de Manutenção nos Aparelhos de Ar Condicionado”. Essa já é a solução definida, não o problema a ser descrito.

Possivelmente, neste caso, a necessidade reside no fato de que os aparelhos atuais têm apresentado problemas de funcionamento ou, precisam de um plano periódico de manutenção preventiva, a fim de evitar seu mau funcionamento ou total interrupção. Esse é o problema a ser solucionado.

Definido o problema, aí, sim, o próximo passo é pensar nas possíveis soluções de mercado (ou da própria Administração) que devem ser consideradas para resolver aquele problema. 

A Solução 1 pode ser a utilização de mão de obra terceirizada já contratada pela Administração para fazer essa manutenção, com a aquisição dos materiais pela Administração. A Solução 2 pode ser a contratação de empresa especializada para realizar as manutenções, incluindo o fornecimento de materiais. Percebeu a diferença?

Em resumo, no momento da elaboração do ETP, a equipe deve ter a “mente aberta” quanto às diversas alternativas possíveis para atender aquela necessidade.

A Lei n. 14.133/2021 estabelece, nos Incisos I a XIII do § 1º do Art. 18, os elementos que devem constar do ETP. Mas isso fica para um próximo post.

Quando não é preciso fazer o Estudo Técnico Preliminar?

O art. 72 da Lei n.º 14.133/2021 estabelece como deve ser instruído o processo de contratação direta. O inciso I exige o seguinte:

Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;

Sendo assim, a nova lei de licitações indica a faculdade de exigir, ou não, o Estudo Técnico Preliminar nos processos de contratação direta (Dispensa e Inexigibilidade). Fortini, Oliveira e Camarão¹, consideram que a competência de exigir ou não o ETP caberá ao gestor responsável por instruir o processo da contratação direta. Ou, pode ser definido também por regulamentação interna, elencando os casos em que os documentos da fase preparatória da contratação direta serão exigidos.

O Poder Executivo Federal publicou a INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES N.º 58, DE 8 DE AGOSTO DE 2022. Ela estabelece as hipóteses em que será facultado o uso do ETP. Em resumo, são os seguintes casos:

  • Dispensa de Licitação por baixo valor.  Em valores atuais, R$ 59.906,02 para Compras e Serviços e R$ 119.812,02 para Obras, Serviços de Engenharia ou Serviços de Manutenção de Veículos Automotores (incisos I e II do art. 75 da NLLC).
  • Nos casos de guerra, estado de sítio ou grave perturbação da ordem. (inciso VII do art. 75 da NLLC)
  • Em caso de emergência ou calamidade pública, nos termos do inciso VII do art. 75 da NLLC.
  • Contratação de Remanescente (§ 7º do art. 90 da NLLC)
  • Dispensada (diferente de facultativa) nos casos de contratação direta em razão de licitação deserta ou fracassada (inciso III do art. 75 da NLLC)
  • Dispensada (diferente de facultativa) nos casos de prorrogação de contratos de fornecimentos e serviços contínuos. 

Lembrando: Estados e Municípios que executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, devem respeitar essa mesma Instrução Normativa.

Esse post apareceu primeiro na minha newsletter. Inscreva-se gratuitamente para receber uma nova edição diretamente no seu e-mail.

Até o próximo post!

TCU permite valor mínimo de salário e benefício em serviços terceirizados

O Acórdão n.º 1207/2024 – TCU – Plenário¹ foi publicado após consulta do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), sobre a possibilidade de os órgãos da administração pública federal indicarem, nos respectivos editais para contratação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, a convenção coletiva de trabalho que melhor se adequa à categoria profissional do objeto contratado.

A primeira decisão do Acórdão não traz muita novidade, já que reforça o entendimento do TCU de que não é possível exigir Convenção Coletiva específica no Edital da licitação. Nesse sentido, reforça o Acórdão:

9.2.1. decorre de previsão legal, estabelecida no art. 511, §§ 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, o entendimento consignado na jurisprudência desta Corte de Contas, no sentido de que nos editais de licitação para contratação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra não é permitido determinar a convenção ou acordo coletivo de trabalho a ser utilizado pela empresas licitantes como base para a confecção das respectivas propostas; (Acórdão n.º 1207/2024 – TCU – Plenário)

A maior novidade recai sobre a permissão ao órgão contratante de prever no Edital da licitação para contratação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, um valor referencial mínimo para o salário e o auxílio-alimentação.

9.2.2. não obstante, em tais licitações, é lícito ao edital prever que somente serão aceitas propostas que adotarem na planilha de custos e formação de preços (PCFP) valor igual ou superior ao orçado pela Administração para a soma dos itens de salário e auxílio-alimentação, admitidos também, a critério da Administração, outros benefícios de natureza social considerados essenciais à dignidade do trabalho, devidamente justificados, os quais devem ser estimados com base na convenção coletiva de trabalho paradigma, que é aquela que melhor se adequa à categoria profissional que executará os serviços terceirizados, considerando a base territorial de execução do objeto;

Como era antes

Até então, não havia essa clara permissão ao órgão contratante, já que neste caso estaria o órgão definindo preços mínimos. E como o critério da análise da proposta é o menor preço, não cabia ao órgão fazer essa limitação. Ou seja, uma contratação mais barata seria mais vantajosa para o erário.

Ocorre que, para sair vencedora de uma licitação, muitas vezes as empresas utilizavam Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) que reduziriam seus custos, incluindo o salário.

Obviamente, em se tratando de um Serviço já em andamento, os funcionários terceirizados questionavam, reclamavam e pressionavam a Administração para que isso não acontecesse (ainda que, em tese, não haveria qualquer obrigação da empresa vencedora de contratá-lo).   

De fato, é uma precarização do trabalho, o que poderia impactar na adequada prestação do serviço. Entretanto, salvo engano, não havia essa clara faculdade ao órgão promotor da licitação. Assim, os pregoeiros, agentes de contratação e gestores, não detinham segurança jurídica para recusar uma proposta que apresentasse um salário reduzido. 

Implicações para os serviços terceirizados

Com a decisão, os órgãos promotores da licitação, agora podem definir um valor mínimo de salário e auxílio-alimentação que os futuros terceirizados receberão. Além disso, mediante justificativa, “outros benefícios de natureza social considerados essenciais à dignidade do trabalho” também poderão ser estabelecidos. 

Veja que não estou defendendo aqui a perpetuação de funcionários terceirizados, que já foi objeto inclusive de crítica e alerta do TCU. Porém, terá a Administração a possibilidade de resguardar um salário referencial, com base em CCT referencial, de modo que aquele salário e auxílio-alimentação, seja respeitado, a fim de não precarizar o trabalho e prejudicar a prestação do serviço.

Considero acertada a decisão do TCU, pois coloca em prática o conceito da proposta mais vantajosa, que pode ser diferente da menor proposta.     

Além das decisões acima, o Acórdão também estabelece que o Edital precisa constar os seguintes dispositivos:

9.2.3.1. a exigência para que o licitante entregue junto com sua proposta de preços uma declaração informando o enquadramento sindical da empresa, a atividade econômica preponderante e a justificativa para adoção do instrumento coletivo do trabalho em que se baseia sua proposta;

9.2.3.2. a exigência para que o licitante apresente cópia da carta ou registro sindical do sindicato a qual ele declara ser enquadrado, em razão do regramento do enquadramento sindical previsto na CLT ou por força de decisão judicial;

9.2.3.3. a responsabilidade da empresa licitante nas situações de ocorrência de erro no enquadramento sindical, ou fraude pela utilização de instrumento coletivo incompatível com o enquadramento sindical declarado ou no qual a empresa não tenha sido representada por órgão de classe de sua categoria, que daí tenha resultado vantagem indevida na fase de julgamento das propostas, sujeitando a contratada às sanções previstas no art. 156, incisos III e IV, da Lei 14.133/2021;

9.2.3.4. a responsabilidade exclusiva da empresa contratada pelo cometimento de erro ou fraude no enquadramento sindical e pelo eventual ônus financeiro decorrente, por repactuação ou por força de decisão judicial, em razão da necessidade de se proceder ao pagamento de diferenças salariais e de outras vantagens, ou ainda por intercorrências na execução dos serviços contratados, resultante da adoção de instrumento coletivo do trabalho inadequado;

9.2.3.5. a aderência à convenção coletiva do trabalho à qual a proposta da empresa esteja vinculada para fins de atendimento à eventual necessidade de repactuação dos valores decorrentes da mão de obra, consignados na planilha de custos e formação de preços do contrato, em observância ao disposto no inc. II do art. 135 da Lei 14.133/2021;

9.2.4. constitui motivo para extinção do contrato, nos termos do art. 137, inc. I, da Lei 14.133/2021, com a consequente realização de novo processo licitatório, a situação que se impõe à contratada a alteração da convenção coletiva de trabalho em que se baseia a planilha de custos e formação de preços, em razão de erro ou fraude no enquadramento sindical de que resulta a necessidade de repactuação ou imposição de ônus financeiro para a Administração Pública, em cumprimento de decisão judicial;

São exigências que também deverão constar nos Editais para esse tipo de contratação. 

Como se trata de uma decisão recente, considero adequado que a Administração faça uma consulta formal ao seu setor jurídico, para reforçar esse entendimento e conceder ainda maior segurança para os gestores envolvidos na contratação. 

Aviso: Minha formação acadêmica não é em Direito, e sim em Administração e Gestão. Sendo assim, não tenho competência para fazer uma análise jurídica. Meu objetivo aqui é trazer a minha interpretação e ensinamentos que obtive após leitura e análise do referido documento. Caso queira contribuir com uma análise jurídica do Acórdão, sinta-se à vontade para comentar. 

Referências:

¹Acórdão | Portal TCU

     

Tag cloud:
Fonte-+=