Há poucos dias, um colega entrou em contato comigo para perguntar sobre a dispensa eletrônica. Ele estava instruindo um determinando processo de contratação de serviço, e ficou em dúvida se os normativos atuais tornavam obrigatória a realização da dispensa eletrônica.
Apresentei a minha opinião, mas percebi que poderia aprofundar um pouco mais nesse assunto. Assim surgiu esse artigo.
O que é uma dispensa de licitação?
Antes de definir o que é uma dispensa eletrônica de licitação, é preciso estabelecer brevemente o que é uma dispensa de licitação.
Dispensa de licitação é um procedimento estabelecido em lei que permite ao gestor deixar de realizar uma licitação em determinadas situações. A licitação é sempre a regra, a dispensa de licitação é uma exceção.
Ao contrário do que pode parecer para aqueles que apenas acompanham os noticiários, dispensar uma licitação é um procedimento legal, ainda que seja uma exceção.
A dispensa de licitação é tratada no artigo 75 da nova lei de licitações (Lei n.º 14.133/2021), nos incisos I a XVIII. Isso quer dizer que é possível dispensar uma licitação por diversos motivos (e essa lista está sempre aumentando…).
A forma mais utilizada de dispensa de licitação é a chamada dispensa por valor. A dispensa por valor é permitida nos incisos I e II do art. 75:
Art. 75. É dispensável a licitação:
I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; (Vide Decreto nº 11.871, de 2023)
II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras; (Vide Decreto nº 11.871, de 2023)
Ou seja, abaixo de determinado valor estabelecido na lei e atualizado pelo decreto responsável por corrigir esses preços, é permitido dispensar a licitação. Conforme a norma atual (Julho/2024), os valores são os seguintes:
- Obra/Serviço de Engenharia/Serviço de Manutenção de Veículos – R$ 119.812,02;
- Demais Compras e Serviços – R$ 59.906,02.
Portanto, se o planejamento de sua contratação estiver com valor estimado abaixo desses valores – respeitando o limite para cada tipo de objeto – é permitida a dispensa de licitação. Só tome cuidado com o fracionamento de despesas.
E onde entra a dispensa eletrônica?
O que é uma dispensa eletrônica?
A dispensa eletrônica é permitida justamente nas contratações de valor abaixo desses limites estabelecidos. Assim definiu o § 3º do art. 75:
§ 3º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.
Dito isso, uma dispensa eletrônica de licitação é um procedimento que utiliza uma ferramenta informatizada para realizar as etapas de divulgação e seleção do fornecedor.
Permitida a realização da dispensa eletrônica pela nova lei de licitações, o Poder Executivo Federal regulamentou o procedimento através da Instrução Normativa SEGES/ME N.º 67, DE 8 DE JULHO DE 2021. Atualmente, é a normativa base desse procedimento em âmbito federal. Além disso, os órgãos estaduais, distritais ou municipais, que executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, deverão observar as regras dessa Instrução Normativa.
Como fazer uma dispensa eletrônica na nova lei de licitações?
Para realizar uma dispensa eletrônica, é preciso observar o que dispõe a IN 67/2021 (ou outra norma aplicável no âmbito do seu ente federativo, se houver). Em resumo, as principais etapas de uma dispensa eletrônica consistem em:
- Elaborar o Documento de Formalização de Demanda e, se for o caso, Estudo Técnico Preliminar, o Mapa de Riscos e o Termo de Referência;
- Realizar a Pesquisa de Preços;
- Se for o caso, anexar Parecer Jurídico e Parecer Técnico;
- Demonstrar a previsão de recursos orçamentários;
- Elaborar o Aviso de Contratação Direta;
- Obter aprovação da autoridade competente para realização do procedimento;
- Realizar o lançamento no sistema de dispensa eletrônica;
- Divulgar a dispensa eletrônica pelo prazo mínimo de 3 dias;
- Realizar a etapa de julgamento;
- Realizar a etapa de habilitação;
- Realizar a etapa de adjudicação e homologação.
Parece um pregão eletrônico, não é mesmo?
Qual a diferença entre Pregão Eletrônico e Dispensa Eletrônica?
Em âmbito federal, e considerando que a realização da dispensa eletrônica ocorre no mesmo ambiente informatizado onde ocorrem os pregões eletrônicos, as diferenças entre pregão eletrônico e dispensa eletrônica são mínimas.
As principais diferenças residem no fato que a dispensa eletrônica possui prazos menores de divulgação do aviso de contratação e este é um documento mais simplificado que o Edital de uma licitação. Além disso, não há previsão de interposição de recurso administrativo contra a decisão do agente de contratação/autoridade competente. Posição semelhante adota Niebuhr (2022)¹:
A conclusão vem ao natural: a rigor jurídico, esse processo de dispensa de licitação eletrônica é uma espécie de modalidade simplificada de licitação, embora não seja assim denominado pelo legislador (…) Vê-se que ela segue o mesmo procedimento das licitações exigido no artigo 17 da Lei n. 14.133/2021, com apenas duas diferenças mais significativas. A primeira é que não há propriamente edital, mas há algo que equivale a edital, que é o aviso de contratação direta previsto no artigo 7 da Instrução Normativa n. 67/2021, que tem a mesmíssima utilidade. A segunda é que não há fase recursal, exigida para as licitações no inciso VI do artigo 17 da Lei n. 14.133/2021. Os efeitos da ausência de fase recursal, no entanto, podem ser supridos pelo direito de petição que é reconhecido a todas as pessoas, inclusive àquelas que participam de processos de dispensa de licitação eletrônica. A única particularidade é que o direito de petição não tem efeito suspensivo, em razão do que se pode comparar a petição a um recurso sem efeito suspensivo.
Essas diferenças permitem que uma contratação via dispensa eletrônica seja relativamente mais célere. Em resumo, a dispensa eletrônica é um pregão eletrônico relativamente mais simplificado.
É obrigatório usar a dispensa eletrônica?
Como disse no início, foi a partir dessa pergunta que surgiu a ideia deste texto. Então, vou me ater um pouco mais nessa questão.
Veja que a Lei 14.133/2021 – no já citado § 3º do art. 75 – estabelece que as dispensas com base no valor devem ser “preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis…”. Ora, se é preferencialmente, quer dizer que é uma faculdade do gestor realizar ou não a dispensa em sua forma eletrônica. Mas a questão não para por aí.
A polêmica reside no fato de como foi redigido o texto da também citada IN 67/2021, que regulamentou o procedimento em âmbito federal. Assim define o art. 4º:
Art. 4º Os órgãos e entidades adotarão a dispensa de licitação, na forma eletrônica, nas seguintes hipóteses:
I – contratação de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores, no limite do disposto no inciso I do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021;
II – contratação de bens e serviços, no limite do disposto no inciso II do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021;
III – contratação de obras, bens e serviços, incluídos os serviços de engenharia, nos termos do disposto no inciso III e seguintes do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021, quando cabível; e
IV – registro de preços para a contratação de bens e serviços por mais de um órgão ou entidade, nos termos do § 6º do art. 82 da Lei nº 14.133, de 2021.
O texto da IN 67/2021 ao usar a expressão “adotarão” pode indicar que não haveria então uma faculdade ao gestor, e sim uma obrigação em realizar a dispensa eletrônica de licitação nos órgãos federais. Esse argumento é defendido pelo Prof. Joel de Menezes Nieburh¹:
Reforça-se, diante do conjunto das considerações acerca do artigo 4º da Instrução Normativa n. 67/2021, que a dispensa de licitação eletrônica não é de uso meramente facultativo, pelo menos não é para a Administração Pública Federal, em linha um tanto diversa do preceituado no §3º do artigo 75 da Lei n. 14.133/2021, cujo texto assinala que ela deve ser empregada preferencialmente.
Dito de outro modo, o artigo 4º da Instrução Normativa n. 67/2021 fez obrigatório o que o §3º do artigo 75 da Lei n. 14.133/2021 qualificou como meramente preferencial. Não há ilegalidade nisso, porque é legítimo que a Administração Pública, por sua vontade, como é o caso, se obrigue a algo que o legislador determinou ser preferencial, é legítimo fazer mais do que lhe foi prescrito. Só haveria ofensa à legalidade se a Administração Pública fizesse menos, não desse a devida preferência à dispensa de licitação eletrônica, o que não ocorreu, bem ao contrário.
Acredito, entretanto, que o texto da IN 67/2021, assim como o posicionamento do Prof. Joel de Menezes Niebuhr, não pode ser interpretado de forma restrita. Ou seja, que TODAS as situações de dispensa por valor devem ser realizadas na forma eletrônica.
A licitação presencial
Posso utilizar de forma análoga a utilização do pregão eletrônico. A própria lei 14.133/2021, no art. 17, § 2º, permite que justificadamente um pregão não seja realizado de forma eletrônica:
Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I – preparatória;
II – de divulgação do edital de licitação;
III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
IV – de julgamento;
V – de habilitação;
VI – recursal;
VII – de homologação.
§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.
§ 2º As licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a utilização da forma presencial, desde que motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo. (grifei)
Veja que uma licitação em si, ou seja, sem qualquer situação excepcional ou limitação de valor, pode ser realizada de forma presencial. E se um pregão – em tese, mais complexo e sem limitação – pode ser presencial, por que deveria o gestor ser impedido de utilizar a dispensa de licitação em sua forma tradicional, ou seja, sem uma disputa eletrônica?
Oliveira e Amorim (2020)² defendem a possibilidade de uso do pregão presencial:
Consoante já abordado no item 1.3 dos comentários deste art. 1º, há vantagens consideráveis no uso da forma eletrônica do pregão. Entretanto, não se pode eliminar a figura da licitação presencial. O procedimento na forma tradicional, com a presença física de todos os interessados, pode vir a ser a melhor maneira ou a única forma viável de realizar o certame. Por isso, ainda que excepcionalmente, a forma presencial deve ser admitida. (grifei)
É verdade que a obra de Oliveira e Amorim (2020) tinha como objetivo analisar o extinto Decreto n.º 10.024/2019, que regulamentava o pregão eletrônico. Entretanto, suas ponderações são atuais, visto que a Lei 14.133/2021 manteve a possibilidade de utilização da licitação presencial.
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O prazo de realização de uma dispensa eletrônica
Outro ponto que gostaria de destacar é quanto às formalidades e etapas de uma dispensa eletrônica. Na prática, a realização de uma dispensa eletrônica é mais demorada que uma dispensa tradicional. Isso ocorre porque em uma dispensa eletrônica é preciso elaborar o aviso de contratação direta, aguardar o prazo de propostas, abrir fase de lances, realizar a etapa de julgamento, desclassificar e convocar fornecedores, entre outras atividades.
Portanto, utilizar a dispensa eletrônica é, invariavelmente, alongar uma efetiva contratação. É claro que as vantagens dela são muitas. Mas, será que é válido obrigar que a Administração Pública sempre escolha a dispensa eletrônica? E postegar essa contratação em cerca de 5 a 10 dias, no mínimo? Pior, se o procedimento resultar fracassado, será preciso refazer ou realizar novas atividades que vão prolongar ainda mais a efetiva contratação.
Por exemplo, será que em uma contratação de serviço simples, com valor estimado de R$ 1.000,00, que pode perfeitamente ser executada por empresas locais ou até mesmo pessoas físicas, não poderia o gestor optar pela dispensa tradicional?
Portanto, penso que impedir ao gestor público a utilização da dispensa tradicional é restringir o leque de alternativas que um gestor pode lançar mão na hora de escolher a forma de uma determinada contratação.
Seria invalidar um procedimento que pode ser utilizado para melhor atender ao interesse público, ainda que de forma justificada.
Considerações finais
A dispensa eletrônica é uma ótima alternativa à disposição do gestor público para realizar contratações de baixo valor, já que permite maior transparência, competitividade e igualdade de condições aos fornecedores interessados.
Entretanto, ela não deve ser vista como a única solução para realizar compras de baixo valor. A dispensa tradicional – aquela em que se realiza a pesquisa de preços e escolhe o fornecedor que apresentou o menor preço – ainda tem seu lugar, sendo aplicável, sim, em determinadas situações de baixo risco e que uma disputa eletrônica poderia postegar de forma desarrazoada uma contratação.
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Aviso: Minha formação acadêmica não é em Direito, e sim em Administração e Gestão. Sendo assim, não tenho competência para fazer uma análise jurídica. Meu objetivo aqui é trazer a minha interpretação da norma e das referências indicadas, e opinar sobre o assunto. Caso queira contribuir com uma análise jurídica, sinta-se à vontade para comentar. E se você discorda, comente também, assim você contribui para a discussão.
Referências:
¹ NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5. ed. 1. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2022. 1247 p. ISBN 978-65-5518-330-6.
² OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019. 1. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2020. 263 p. ISBN 978-85-450-0764-7.
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