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Contrata+Brasil – Introdução

⏮️ Anteriormente nesta série: Contrata+Brasil – A série

A burocracia é parte da Administração Pública. Ela é a base das relações funcionais nas organizações públicas (e privadas). A burocracia, para mais ou para menos, é uma medida de controle. Se o objetivo é ter maior controle daquele processo, geralmente recorre-se ao aumento dos procedimentos burocráticos. E não se engane que isso não é desejado, inclusive pela sociedade. 

Para ilustrar, observe as reações quando a imprensa noticia fatos ou situações que escaparam ao controle dos órgãos públicos. Nesses casos, a primeira medida costuma ser a criação de novos procedimentos burocráticos.

No entanto, quando esse controle se torna excessivamente burocrático, surge a pressão oposta: a busca pela desburocratização. É um eterno cabo de guerra.

Veja, por exemplo, uma discussão recente. O Senado Federal aprovou um projeto de lei que visa mudar as regras de licenciamento ambiental no Brasil. O objetivo, nesse caso, é desburocratizar. Nesse caso, o Senado pretende diminuir os controles dessa área e facilitar a realização dos empreendimentos. O Ministério do Meio Ambiente, por outro lado, acredita que o projeto representa “desestruturação significativa do regramento existente”¹. Ou seja, o Ministério do Meio Ambiente quer manter um maior controle sobre essa atividade, manter a burocracia existente.

A questão da burocracia não é sua existência, e sim o seu excesso. Quando digo excesso, é a infinidade de documentos, procedimentos, normas, critérios, avaliações, assinaturas, carimbos, despachos e outras exigências colocadas como necessárias em diversos processos cotidianos da Administração Pública.

Portanto, a melhor solução (como sempre) é buscar o caminho do meio. Qual é o nível satisfatório de burocracia? Em outras palavras, o quanto podemos diminuir a burocracia, sem perder o controle do procedimento e de suas consequências?

Uma perspectiva já é considerada consenso: é preciso digitalizar serviços e processos da administração pública. Mas veja que, em alguns casos, apenas digitalizar pode aumentar a burocracia. Então, não basta digitalizar, é preciso repensar os processos, simplificar e digitalizar o que for possível. 

Compras Públicas no Brasil   

Segundo a OCDE, em países em desenvolvimento, como o Brasil, as licitações representam entre 20% a 30% do Produto Interno Bruto.² No Brasil, apenas em 2021, o Poder Executivo homologou mais de 154 bilhões de reais.³

Veja também:  TCE-PR restringe terceirização de serviços de contabilidade

Ou seja, as licitações públicas e contratos administrativos envolvem um número muito alto de recursos públicos. E as contratações públicas são processos altamente burocráticos, mesmo quando falamos de dispensa de licitação e contratações diretas em geral. 

Egon Bockmann Moreira e Leonardo Coelho Ribeiro (2019, apud MIGUEL, 2024)4 comentam sobre algumas das mazelas das licitações no Brasil:

De todo modo, fato é que as licitações brasileiras são marcadas pela ausência de planejamento: de usual, versam a respeito de necessidade imediata e pontual da Administração Pública, estratificada em vários certames promovidos de forma assistemática em todo o território nacional. Muitas vezes, a mesma pessoa politica (sobremodo a União), tende a promover licitações dispersas por meio de seus órgãos locais – o que, se por um lado, implica incremento à livre concorrência; por outro, despreza ganhos de escala e pode retratar preços e qualidades significativamente díspares. 

Esse cenário geral, descentralizado, fragmentado, burocrático e complexo, torna evidente a importância de se avaliar, diagnosticar e (re) formular os arranjos jurídicos das licitações e contratações administrativas brasileiras, a partir de seus incentivos e resultados, mediante experimentos pontuais – para que, uma vez bem sucedidos, possam ser disseminados dentre os demais entes que realizam licitações públicas.

Para exemplificar a realidade da burocracia excessiva presente nas licitações brasileiras, vou citar alguns documentos que devem compor um processo de licitação pública de baixa complexidade:

  • Documento de Formalização de Demanda.
  • Mapa de Riscos.
  • Estudo Técnico Preliminar.
  • Nomeação da Equipe de Planejamento.
  • Nomeação de Gestor e Fiscal de Contrato.
  • Relatório da pesquisa de preços de mercado.
  • Preços e orçamentos utilizados como fonte da pesquisa.
  • Análise crítica dos preços coletados.
  • Despacho do Fiscal do Contrato.
  • Despacho do Gestor do Contrato.
  • Termo de Referência.
  • Autorização da autoridade competente.
  • Escolha e justificativa da modalidade contratação.
  • Documento de nomeação do agente de contratação ou pregoeiro.
  • Edital da licitação.
  • Listas de verificação.
  • Ata da Licitação.
  • Termo de Adjudicação.
  • Termo de Homologação.
  • Termo de Contrato.
  • Entre outros.  

Esses são apenas alguns dos documentos, sem contar aqueles relacionados à execução do contrato em si. E todos esses documentos estão exigidos nos mais diversos regramentos e normas legais ou infralegais. Boa parte deles tem a Lei n.º 14.133/2021 (a nova lei de licitações) como fundamento legal. Mas não só. Normas infralegais, como Instruções Normativas, Orientações Normativas, Guias de Contratação, entre outros, tornam esses documentos obrigatórios e, portanto, exigíveis por parte dos servidores públicos.

Veja também:  5 projetos de lei que podem afetar as licitações públicas em 2025 

Embora é preciso reconhecer avanços significativos nos últimos anos, como a intensificação do pregão eletrônico (que proporciona maior competitividade e transparência) e a centralização de sistemas informacionais para gerir as etapas da licitação, ainda há muito a progredir na área de contratações públicas.

É preciso debater e pensar em soluções que, de fato, resultem em maior eficiência e efetividade nas compras públicas. Ainda há um longo caminho para que o Estado consiga promover inovações e proporcionar contratações que gerem resultados mais efetivos para a sociedade. Cito, a seguir, alguns desses desafios:

  1. Diminuir a burocracia disfuncional da licitação.
  2. Reduzir prazos de instrução do processo e da efetiva entrega do bem / prestação do serviço.
  3. Pensar as Compras Públicas como área estratégica para os órgãos públicos.
  4. Reduzir o “apagão das canetas” (caracterizado pela ausência de decisão ou medo de decidir, por parte dos gestores públicos).
  5. Debater de que forma a Inteligência Artificial pode contribuir para atingir esses objetivos.

Foi nesse contexto que, em fevereiro de 2025, me deparei com uma iniciativa do governo federal que tinha o potencial de solucionar os dois primeiros desafios que citei anteriormente: diminuir a burocracia disfuncional e reduzir a efetiva entrega do bem ou prestação do serviço. O nome desse projeto era o Contrata+Brasil

Contrata+Brasil

O que mais me atraiu no Contrata+Brasil foi sua capacidade de simplificar os procedimentos, eliminando a necessidade de grande parte dos documentos anteriormente citados. Basicamente, são necessárias apenas 3 etapas bem simples:

  1. Publicação da demanda pelo órgão público (abrangendo estados e municípios).
  2. Recebimento e seleção das propostas dos fornecedores interessados, exclusivamente Microempreendedores individuais (MEIs).
  3. Prestação do serviço e pagamento, inclusive por meio de PIX. 

Quando soube do projeto, logo pensei: “Isso pode ser uma mudança de chave”. Apenas o tempo vai mostrar se foi realmente uma iniciativa que deu certo. Contudo, pensei que seria relevante buscar mais informações do contexto em que ela surgiu, das pessoas envolvidas e descobrir como nasce uma inovação na área pública, especificamente na área das contratações públicas.

Veja também:  Contrata+Brasil - A série

⏭️ No próximo artigo… a inspiração do Contrata+Brasil: o Go MEI da Prefeitura de Recife.

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Notas e Referências

1. BEHNKE, E.; BORGES, R. Senado aprova mudanças em regras do licenciamento ambiental no Brasil. [notícia online]. São Paulo: CNN Brasil, 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/senado-aprova-mudancas-em-regras-do-licenciamento-ambiental-no-brasil/. Acesso em: 11 jul. 2025.

2. SIGNOR, R.; MARCHIORI, F. F.; RAUPP, A. B.; MAGRO, R. R.; LOPES, A. O. A nova lei de licitações como promotora da maldição do vencedor. Revista de Administração Pública, v. 56, n. 1, p. 176–190, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-761220210133

3. GONÇALVES, M. S.; FIGUEIREDO, P. S. Determinantes dos prazos das compras públicas por meio de pregão eletrônico. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 28, e85792, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.12660/cgpc.v28.85792.

4. MIGUEL, L. F. H. Contratações públicas inteligentes: e-marketplace público, o fim das cláusulas exorbitantes. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2024.

Leandro Maciel
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