Para muitos órgãos públicos, especialmente nos níveis estadual e municipal, a obrigatoriedade da análise de riscos nas aquisições passou a ser uma exigência nova com a implementação da Lei n.º 14.133/2021, já que a nova lei, no art. 18, inciso X, exige como parte obrigatória do processo licitatório a “análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual”.
Por outro lado, no Poder Executivo federal, a gestão de riscos já era prevista desde 2017, por meio da publicação da Instrução Normativa n.º 5/2017, que trata das regras para contratação de serviços (regime de execução indireta) no âmbito da Administração Pública federal.
Contudo, acredito que a exigência da gestão de riscos na norma federal não se traduziu em uma aplicação efetiva no processo licitatório, restringindo-se muitas vezes a copiar e colar o Mapa de Riscos de outra contratação de forma genérica, apenas o anexando como parte do processo.
Em outras palavras, não se faz a análise dos riscos como exige a lei, apenas se inclui mais um documento desvirtuado e inútil no processo licitatório.
E não é por falta de referência legal. O termo “risco” aparece 49 vezes no texto da Lei n. 14.133/2021. Além do já citado art. 18, lembro o parágrafo único do art. 11, ele exige que a alta administração do órgão implemente “processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos” (grifei).
O Instrumento de Padronização de Procedimentos da Contratação publicado pela Advocacia Geral da União conceitua a gestão de riscos como “um processo composto por cinco etapas: a) identificação; b) avaliação; c) tratamento; d) implementação; e e) monitoramento.” dos riscos. E que a gestão de riscos se materializa no Mapa de Riscos.
Mas o Mapa de Riscos, sem a realização das etapas anteriores da gestão de riscos, é inútil. Contudo, é o que se cumpre da análise de riscos (que, na verdade, não é feita).
É uma pena. Um trabalho sério de gestão de riscos nas contratações pode resultar em inúmeros benefícios. Por exemplo, Cavalcanti e Martins (2015) descrevem os resultados da implementação da gestão de riscos em um hospital público, através do Projeto Hospitais Sentinela:
- Maior subsídio na tomada de decisão do pregoeiro no resultado do pregão; inserção de novos critérios de classificação de fornecedores no pregão sob a ótica do risco da contratação (e não apenas do menor preço).
- Melhor gerenciamento dos riscos e maior economia dos recursos públicos tendo-se por base a implementação do Projeto Hospitais Sentinela, ocasionando um maior controle dos processos pelos profissionais de saúde e, consequentemente, um aumento do número de notificações de problemas e eventos adversos de produtos de saúde à Anvisa.
- Planejamento das compras públicas visando maior qualidade nas aquisições, pois o banco de dados trata-se de um “prontuário do produto” a ser utilizado nos processos licitatórios para o subsídio da tomada de decisões.
- Minimização dos riscos de uma má aquisição e, consequentemente, do oportunismo ex ante do fornecedor.
- Minimização dos riscos de exposição de produtos de má qualidade aos pacientes e profissionais de saúde e, consequentemente, do oportunismo ex post do fornecedor.
Este caso real demonstra o valor tangível de uma aplicação séria.
A Lei n.º 14.133/2021 não exige apenas o documento; ela exige o processo e a cultura de gestão de riscos. É imperativo que os órgãos públicos abandonem a superficialidade da cópia e adotem a gestão de riscos como uma ferramenta real de planejamento e monitoramento das contratações públicas em toda a Administração.
Referências
¹ CAVALCANTI, Anette Cristine Ferreira; MARTINS, Cristina Dai Prá. Influências do gerenciamento de riscos na melhoria das aquisições públicas de um hospital da rede Sentinela. Revista Gestão & Saúde, [S. l.], v. 6, n. 2, p. Pag. 1726–1748, 2015. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/rgs/article/view/3001. Acesso em: 3 dez. 2025.
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Aviso: Minha formação acadêmica não é em Direito, e sim em Administração e Gestão. Sendo assim, não tenho competência para fazer uma análise jurídica. Meu objetivo aqui é trazer a minha interpretação e ensinamentos da minha própria experiência. Caso queira contribuir com uma análise jurídica, sinta-se à vontade para comentar.
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