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Super Pregoeiro: o faz-tudo

Há alguns meses, participei de forma online do 19º Congresso Brasileiro de Pregoeiros e Agentes de Contratação. Acompanhando os comentários dos participantes via chat, percebi que muitos alegavam o acúmulo de funções, atuando em diversas etapas de um processo licitatório, como na fase preparatória e na fase externa, ou na fase preparatória e na execução do contrato. É o super agente de contratação/super pregoeiro(a).

Atribuições do pregoeiro/agente de contratação

Todo agente público possui atribuições relacionadas ao cargo que ocupa. Essas atribuições podem estar definidas em lei, ou outro normativo federal/estadual/municipal. Entretanto, cargo público e função pública são conceitos diferentes. Na grande maioria dos órgãos, o agente de contratação/pregoeiro(a) é uma designação de função e não um cargo público.    

Por que estou dizendo isso? Um servidor público pode realizar diversas atividades em seu órgão, desde que previstas na descrição do seu cargo. Entretanto, quando designado pregoeiro e exercendo esta função, esse agente deve realizar atividades específicas previstas na legislação. 

Sendo assim, vejamos o que dispõe a Lei n.º 14.133/2021 sobre o agente de contratação, pregoeiro e comissão de contratação:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

(…)

L – comissão de contratação: conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares;

(…)

LX – agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

(…)

Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.

§ 1º O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe.

(…)

§ 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.   (Regulamento)   Vigência

§ 4º Em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar os agentes públicos responsáveis pela condução da licitação.

§ 5º Em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro.

As atribuições da comissão de contratação e do agente de contratação são basicamente as mesmas. A diferença reside no fato que o agente é uma única pessoa, e a comissão é um grupo de pessoas.  

Veja também:  Dispensa Eletrônica: O Que Você Precisa Saber

O § 3º do art. 8º da Lei n.º 14.133/2021 estabeleceu que as regras de atuação do agente/comissão serão definidas em regulamento. Sendo assim, em âmbito federal, foi publicado o Decreto n.º 11.246, de 27 de outubro de 2022, que definiu no seu art. 14 como deve ocorrer a atuação do agente de contratação.

Da leitura desses dispositivos, podemos extrair as seguintes atribuições da função de agente de contratação/pregoeiro(a):

  • Acompanhar o trâmite da licitação;
  • Zelar pelo bom andamento do certame até a homologação;
  • Se necessário, demandar às unidades de contratações para saneamento da fase preparatória;
  • Promover diligências para cumprimento do calendário de contratação;
  • Tomar decisões em prol da boa condução da licitação;
  • Dar impulso ao procedimento licitatório;
  • Receber, examinar e decidir as impugnações e os pedidos de esclarecimentos, por meio de subsídios aos responsáveis pela elaboração dos documentos;
  • Negociar, quando for o caso, condições mais vantajosas com o primeiro colocado;
  • Verificar conformidade e aceitar proposta mais bem classificada;
  • Sanear erros ou falhas que não alterem a substância das propostas;
  • Verificar e julgar as condições de habilitação;
  • Indicar o vencedor do certame;
  • Conduzir os trabalhos da equipe de apoio;
  • Encaminhar o processo instruído, após encerradas as fases de julgamento e de habilitação e exauridos os recursos administrativos, à autoridade superior para adjudicação e para homologação.

Qualquer gestor público que conhece o mínimo de um processo licitatório, sabe que isso não é pouco. São atividades de grande responsabilidade que demandam bastante tempo, principalmente quando a licitação refere-se a um objeto mais complexo ou com muitos itens.

Veja que essas são atribuições de uma única licitação — muitos agentes de contratação lidam com várias licitações ao mesmo tempo. Ou seja, multiplique as atribuições acima por 2x, 3x, 4x, 5x, etc.

Nesse sentido, veja o que diz o Prof. Joel de Menezes Niebuhr¹ sobre o papel do agente de contratação:

A responsabilidade do agente de contratação, do pregoeiro e da comissão de contratação é reflexo das suas atribuições. Eles são responsáveis por aquilo que fazem (comportamento comissivo) ou pelo que deixam de fazer (comportamento omissivo) diante das competências que lhes foram acometidas. Não devem, por via de consequência, ser responsabilizados por atos ou fatos estranhos às suas atribuições, salvo se atuarem com desvio de função. (grifei)

Então, fica a pergunta: é razoável atribuir ainda mais funções e atividades relacionadas a um mesmo agente de contratação?

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A fim de tentar, de uma vez por todas, esclarecer o papel do pregoeiro na fase preparatória, o citado Decreto n.º 11.246/2022 definiu expressamente o que o pregoeiro não está obrigado a fazer:    

§ 1º  O agente de contratação será auxiliado, na fase externa, por equipe de apoio, de que trata o art. 4º, e responderá individualmente pelos atos que praticar, exceto quando induzido a erro pela atuação da equipe.

§ 2º  A atuação do agente de contratação na fase preparatória deverá ater-se ao acompanhamento e às eventuais diligências para o fluxo regular da instrução processual.

§ 3º  Na hipótese prevista no § 2º, o agente de contratações estará desobrigado da elaboração de estudos preliminares, de projetos e de anteprojetos, de termos de referência, de pesquisas de preço e, preferencialmente, de minutas de editais.

Portanto, está definido no regulamento federal o que pregoeiro não deve fazer:

  • Elaboração de Estudo Técnico Preliminar;
  • Elaboração de projetos e anteprojetos;
  • Elaboração de Termo de Referência;
  • Realização da pesquisa de preços;
  • Elaboração do Edital. 
Veja também:  O pregoeiro e a reserva de cargos para PCD nas contratações públicas

Riscos da sobrecarga de atribuições do pregoeiro

Diversos riscos estão envolvidos quando a autoridade competente permite atribuir ao pregoeiro ainda mais atividades, além daquelas previstas nos normativos. Cito a seguir quatro principais riscos envolvidos.

Descumprimento ao princípio da segregação de funções

O Tribunal de Contas de União já decidiu diversas vezes que atribuir ao pregoeiro atividades alheias às suas competências, trata-se de uma irregularidade. Veja, por exemplo, o Acórdão 3381/2013 – Plenário e o Acórdão 1372/2019 – Plenário

Outra consequência da não observância ao princípio da segregação de funções é possibilitar que o agente público, mal-intencionado, esconda algum erro cometido ou, pior, cometa uma fraude à licitação, por meio de conluio com o fornecedor. 

Aliás, é exatamente isso que prevê o art. 12 do Decreto n.º 11.246/2022:

Princípio da segregação das funções

Art. 12.  O princípio da segregação das funções veda a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na contratação.

Parágrafo único.  A aplicação do princípio da segregação de funções de que trata o caput:

I –  será avaliada na situação fática processual; e

II – poderá ser ajustada, no caso concreto, em razão:

a) da consolidação das linhas de defesa; e

b) de características do caso concreto tais como o valor e a complexidade do objeto da contratação.

Desempenho inferior do pregoeiro 

Sobrecarregar um agente de contratação gera um impacto negativo no desempenho das licitações que o mesmo conduz. Essa foi a conclusão de Almeida e Sano (2019)²:

Sobre os aspectos organizacionais foi evidenciado, nos discursos dos entrevistados, que o acúmulo de outras funções, concomitantemente com a atividade de pregoeiro, impactou negativamente sua conduta. Os pregoeiros não estão concentrados exclusivamente na execução das atividades de compras e constata-se que o acúmulo de funções ao qual os pregoeiros do CLBI estão submetidos remete à falta de priorização da função compras no núcleo estratégico da organização, de acordo com os ensinamentos de Baily et al. (2008).

Fuga dos agentes públicos

Os servidores públicos que estão cientes das atribuições do agente de contratação, e que sabem das diversas vezes em que os órgãos de controle já multaram e responsabilizaram esses agentes, vão fugir o máximo possível dessa função. 

Veja também:  O prazo de entrega de bens adquiridos por meio de licitações

Seja por meio de remoções, permutas, transferências, redistribuições, entre outros institutos de movimentação de pessoal, aquele servidor vai tentar sair quanto antes dessa função. Ou seja, existe uma perda real de talentos e bons profissionais. E isso se amplifica ainda mais quando ocorre a sobrecarga de atribuições. 

É claro que existem aquelas pessoas com uma motivação intrínseca, que se identificam com a área e com o valor público que podem entregar. Todavia, posso atestar que vi um número muito maior de pessoas querendo sair, em comparação àquelas que gostariam de entrar.

Reflexos na saúde mental e física

É provável que, com a sobrecarga de trabalho, a pessoa desenvolva um stress crônico, ansiedade generalizada ou uma síndrome de burnout:

Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho

Um diagnóstico como esse vai, invariavelmente, afastar o agente público dessa função e prejudicar o andamento de uma ou mais licitações.

O papel da autoridade máxima  

A Lei n.14.133/2021 estabelece de forma muito clara a importância e o papel da autoridade máxima do órgão no que se refere ao gerenciamento das contratações. É a ela que cabe promover a gestão por competências (art. 7º, caput), observar o princípio da segregação de funções (art. 7º, § 1) e implementar a governança das contratações (art. 11, parágrafo único). 

Não cabe à autoridade se afastar dessa responsabilidade ou da área de compras de seu órgão. Sem a sua intervenção, o super pregoeiro vai continuar existindo e sendo um risco para a eficiência organizacional. 

E você? É um super pregoeiro no órgão em que trabalha? Deixe um comentário aqui no site ou no meu Instagram.

Espero que esse texto tenha sido útil para você, e possa te ajudar de alguma forma.

Até o próximo post!

Referências: 

¹ NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5. ed. 1. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2022. 1247 p. ISBN 978-65-5518-330-6.

² Almeida, A. A. M. de, & Sano, H. (2019). Fatores que influenciaram as condutas dos pregoeiros do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI). Revista De Administração Pública, 53(2), 331–348. Recuperado de https://periodicos.fgv.br/rap/article/view/78501

Leandro Maciel
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